Primeiro campeão da FA Cup renasce após 122 anos com professor, hoje disputa 15ª divisão e sonha em voltar à Copa
Logo na primeira resposta da entrevista tive a impressão de que Mark Wilson se trata de alguém que gosta de falar. Os 80 minutos de papo acabaram por comprovar. E não é por menos, já que não faltam histórias a serem contadas. Histórias, aliás, que foram construídas bem antes de seus 40 anos de vida, mas que foram resgatadas em boa parte por conta dele.
Em 2009, Wilson decidiu começar um time de futebol e procurou informações na região de Kennington, onde costumava jogar sete contra sete no parque local. A busca na vizinhança o jogou no século 19, deparando-se com o Wanderers FC, o primeiro campeão da FA Cup, em 1871-72.
Nas seis edições seguintes, o clube ficou com a taça mais quatro vezes e segue até hoje como um dos dez maiores vencedores da história da competição, ao lado de Everton e West Bromwich.
Os primórdios do futebol viviam uma realidade completamente distinta da atual, desde o contexto social até o esporte propriamente dito. O Wanderers FC, por exemplo, ganhou a semifinal por desistência do escocês Queens Park, que não teria como fazer a longa viagem de trem a Londres novamente para o replay após ter empatado o primeiro jogo por 0 a 0.
Em meio a um cenário de um mundo bem menos globalizado e um futebol ainda engatinhando, o multicampeão da década de 70 acabou dissolvido em 1887, depois de apenas 28 anos de sua fundação. Entre 1882 e 1884, o time só havia atuado uma vez por ano.
Assim, o Wanderers ficou limitado às páginas da história do futebol inglês por 122 anos. Até que Wilson resolveu resgatar a história. Ele localizou a bisneta do irmão de Charles Alcock - os dois foram fundadores do clube e da Federação Inglesa - , que não se opôs à aventura histórica.
“Os descendentes dos fundadores nos deram sua benção. Logo no começo eu mandei um email à FA de Londres, porque Charles Alcock foi um dos membros fundadores da FA de Londres”, conta Wilson, que recebeu o aval também da entidade, que inclusive chegou a fazer um convite para um tour do troféu da FA Cup.
Hoje secretário-geral do clube, o professor de inglês de adolescentes entre 11 e 17 anos foi adiante em seu projeto, e no ano da retomada do Wanderers houve um jogo contra Oxford University, em uma reedição da final da segunda edição da Copa da Inglaterra, que acabou com o título do Wanderers com uma vitória por 2 a 0 – como defensor do título, o time só disputou a final, um critério impensável para os dias atuais.
Passados 147 anos daquela final, o amistoso entre as duas equipes foi marcado para novembro.
“Era o primeiro time deles. Eles tinham 18, 19 anos e nossa média era de 30 para 40 anos. Nunca tínhamos jogado 11 contra 11 juntos. Foi um choque, perdemos por 11 a 1. No papel foi um desastre. O jogo foi totalmente de um time apenas, mas, depois de um banho e uma bebida, falamos: 'Foi ótimo, temos que fazer isso de novo'”, diz Wilson.
E fizeram de novo. Em 2012, aliás, houve a reedição da primeira final da FA Cup contra o Royal Engineers no Kennington Oval, mesmo estádio que recebeu a partida que decidiu o primeiro campeão do torneio mais antigo da história do futebol. Mas houve uma diferença. "Mais pessoas foram ver o jogo em 2012 do que em 1872". (É possível ver imagens da partida em matéria da BBC, clicando AQUI)
O time que trouxe um passado importante do futebol ao presente também pensa – e muito – no futuro.
O clube começou a atuar em ligas amadoras, chegou a enfileirar acessos e também teve rebaixamento. Atualmente, disputa a Junior Division One da Surrey South Eastern Combination, que seria o equivalente a uma das ramificações da 15ª divisão nacional. O foco é a longo prazo.
“Para ir à FA Cup tem que estar no 11º ou décimo nível”, afirma Wilson, que atua quando pode pelo time como lateral – e algumas vezes até já foi goleiro. “Precisamos de quatro promoções eu acho. Mas o meu objetivo é na 150ª FA Cup, então temos dez anos para conseguir quatro promoções. Eu espero”. A 139ª edição será decidida neste sábado entre Arsenal e Chelsea.
Mas os objetivos do Wanderers – que tem um segundo time masculino e uma equipe feminina - vão além das quatro linhas, já que o clube tem um propósito social, algo presente desde o seu começo, quando juntavam 70 libras para alugar o campo em que jogavam. O valor era dobro do que tinham de pagar, então metade ia como doação à Unicef.
Hoje, as ações se distribuem de diferentes formas. Em maio, o site do clube anunciou uma campanha por conta do impacto da pandemia, com uma estratégia de reduzir custos de operação para negócios locais, tendo recrutado quatro empresas diferentes. Além disso, há um engajamento em ajudar pessoas que sofrem de luto ou depressão, por exemplo.
Tudo, no fim das contas, passa pelo envolvimento com pessoas. “Pensando nos idosos, posso trazer pessoas idosas para ver um jogo, se eles são dois, eles podem começar uma amizade”, conta Wilson. “Queremos estar envolvidos na comunidade. Não é só jogar em um lugar, treinar em um lugar, é tentar fazer mais na comunidade”.
A preocupação de fazer mais pelas pessoas ao redor vem de um clube que já contou com grande apoio coletivo recentemente. Um crowdfunding ajudou o Wanderers a levantar 10 mil libras para melhorar a estrutura do estádio que aluga do Virgo Fidelis Convent Senior School.
O Wanderers, na verdade, é do mundo, como se autointitula em sua descrição no Twitter. Tal aspecto é comprovado com um elenco em que há cerca de 30% a 40% de estrangeiros, embora seja difícil de precisar. As mudanças são constantes, sobretudo no período de pré-temporada.
“Eu provavelmente poderia fazer dois times cheios com o número pessoas que vieram e disseram: 'eu virei para treinar'. E nunca aparecem”, diz Wilson, que inclusive conta com três brasileiros para a pré-temporada atualmente.
Para o criador do novo Wanderers, este perfil de integração tem grande relação com as origens do clube, que foi fundado em um tempo em que os times de futebol nutriam ligação com as instituições de ensino.
“O conceito do clube, é difícil de imaginar o que pensavam na época, mas quando você olha para o fato de que o Wanderers era o único time em Londres a dizer: 'você pode se juntar, não importa qual foi sua escola', é um pouco aberto, então tentamos continuar isso”, declara o professor.
O Wanderers se abre à comunidade e ao mundo, da mesma forma que Wilson abriu a biografia do futebol para resgatar suas primeiras páginas, sem jamais esquecer que este é um esporte, acima de tudo, coletivo. O sonho de voltar à FA Cup agora é a inspiração para se escrever uma nova história.
"Muitas pessoas amam os aspectos românticos do futebol, os contos de fadas, as redenções, coisas que as fazem se apaixonar, tanto com novelas, futebol, família. Acho que é isso que as pessoas gostam sobre o Wanderers.”
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