Assédio nos tatames (parte 2): A culpa não é da mulher
"Relembrar esse fato me deixa angustiada, mas vi nessa reportagem a oportunidade de lidar ou digerir melhor essa história. Há mais ou menos 2 anos, em um dia de treino, estavam eu e meus dois instrutores faixa roxa fazendo uma aula. Quando um deles me imobilizou durante o rola e chamou o segundo, que se aproximou e aproveitando que meu kimono estava todo fora do lugar – pois eu estava rolando – levantou minha blusa e passou a mão pela minha barriga várias vezes e começaram a dar risada. Aí eu comecei a gritar (…) Eles pararam quando viram o meu desespero. Na hora e nos dias seguintes, eu só conseguia me sentir suja e culpada (chorei muito). Na minha cabeça, eu pensava “a culpa deve ser minha, porque eu devo ter dado espaço pra eles fazerem isso”, mas também pensava ter sido só uma brincadeira (…) Hoje, eles mudaram de equipe e não nos vemos mais. Espero que nenhuma outra mulher passe por isso nos tatames, ou se passar não deixe barato, fale com seu mestre, denuncie. Na época eu não falei nada, pois tinha medo do julgamento das pessoas ou do meu mestre achar que eu estava reclamando de uma brincadeira (…)."
É com esse depoimento deprimente que dou início ao texto desta semana. As mulheres se sentem realmente culpadas. Não se esqueça que estamos juntas! E não é porque você é sorridente e simpática que você está dando mole. Sendo assim, por favor, não se culpem. A culpa é do agressor. Nossa postura não deve mudar por termos sido assediadas, ele é quem deve ser colocado em seu devido lugar. E isso, independentemente do jiu-jitsu, serve para a vida.
"Algumas vezes treinava com esse indivíduo, normalmente quando ele me chamava. Por ser mais graduado, ele aproveitava para passar a mão em mim, nas partes mais íntimas. Sem graça, eu não sabia o que fazer já que ele era faixa preta. Um dia enquanto lutávamos, ele colocou, de novo, a mão na minha intimidade, mas nesse dia eu decidi fazer algo e coloquei o joelho na sua virilha, pressionando. Na hora ele se assustou e pediu pra eu tirar, falei que só tiraria se ele tirasse a mão, desde de então ele não fez mais nada comigo e não sofri isso com mais ninguém. O que mais me chocou foi quando uma amiga me chamou falando que sofreu a mesma coisa, com a mesma pessoa. (…)"
Sabemos que é muito difícil reagir. Muitas meninas disseram ter parado de treinar por trauma e, se já temos poucas delas dominando os tatames, imagine se elas começarem a desistir dessa maneira?
Também há algumas mulheres que afirmaram não terem sofrido assédio por namorarem ou serem casadas. Isso é algo complicado, mas gostaria de aproveitar o espaço para dizer: não existe essa de não ser solteira. E o fato de você ser ou não solteira não quer dizer nada. Então significa que se formos solteiras, tudo bem sermos assediadas? Fica a reflexão!
Frases como “mulher de amigo meu, pra mim, é homem” tão comuns e tratadas como normais só reforçam a ideia de que um homem só respeita outro homem. Embora isso signifique que as mulheres compromissadas do tatame sejam mais respeitadas que as outras, devemos lembrar a esse tipo de assediador que mesmo as solteiras não são território livre. O respeito ao nosso relacionamento deve, sim, existir, mas acima de tudo, somos primeiro nós mesmas e devemos ser respeitadas com ou sem uma figura masculina que nos represente.
"Ele me chamou para rolar. Era mais graduado e a academia estava recebendo um atleta profissional para quem as atenções estavam voltadas. Durante o rola ele começou a fazer uns movimentos estranhos, ficava em cima de mim e me encoxava, mas eu demorei pra perceber o assédio, só percebi quando ele ficou esfregando a mão em um dos meus seios como se tivesse tentando me excitar. Eu fiquei paralisada durante um momento, depois tirei a mão dele e me afastei. Me encolhi em um canto e ele falou “foi mal”. Eu fiquei atordoada até chegar em casa, e quando cheguei entrei em crise e liguei pra uma amiga, comecei a chorar e relatar o ocorrido. Depois disso desenvolvi uma fobia e nunca mais aguentei ficar por baixo na posição dos cem quilos. Não saí da academia, porque comecei a namorar e não queria que ele descobrisse. Também notei que com o meu namoro comecei a ser mais respeitada por todos os meninos. Não sei se sofreria algum outro assédio se tivesse continuado solteira, mas tive a impressão de que o tatame se tornou seguro de novo porque respeitavam o meu namorado, não a mim."
Garotas: coloquem de uma vez por todas na cabeça de vocês que a culpa não é, nunca foi e nem será nossa. A frase mais recorrente nesse assunto é: “Ah, mas ela estava pedindo”. Você estava pedindo para ser assediada quando saiu na rua com um shorts um pouco mais curto ou saiu unicamente porque foi sua escolha? Você estava pedindo quando cumprimentou um amigo com beijo no rosto e um abraço? Então… Estava pedindo o quê? Por favor, não se culpe, lembre-se de que você precisa ser respeitada independente da sua roupa ou das suas atitudes, isso vale dentro e fora do tatame.
Depois de ter soltado o primeiro post, muitas pessoas falaram que as meninas vão treinar com roupas “chamativas”. No jiu-jitsu, usamos kimono; por baixo da calça um shorts/calça legging e em cima, um top e uma camiseta/rash guard (ou lycra). Os homens treinam muitas vezes sem camiseta (na verdade, sem shorts também) e algumas meninas usam só o top. Isso é outra coisa que causa certa “polêmica”, já que o top não é considerado seguro. Algumas academias, inclusive, proíbem o uso só de top, bem como o não uso de camiseta pelos homens.
Mas, conforme eu já falei aqui sobre a rivalidade feminina dentro dos tatames, precisamos parar e pensar algumas coisas. A primeira dela é: a menina já treinou alguma vez? Caso não, ou caso esteja só no início, ela não sabe muito bem como funcionam as movimentações e, sendo assim, cabe ao mestre e aos colegas de treino a orientarem. Já aconteceu caso de menina me perguntar se tudo bem treinar de sutiã por baixo, mas que culpa ela tinha se nunca havia pisado num tatame? Não custa orientar. Além do mais, muitas meninas realmente sentem-se confortáveis em treinar só de top. No verão é difícil, né gente? Não é só porque uma menina está de top que ela está se mostrando.
Se existem casos isolados? Claro, como em todo lugar. Mas, como já dito lá em cima, é algo que vai além dos tatames. Mas aqui vai uma diferença: já perceberam que quando uma mulher chega para treinar para “caçar macho” como dizem por aí, ela é tão julgada que acaba parando de treinar? Isso acontece porque o jiu-jitsu simplesmente não dá espaço para esse tipo de coisa acontecer, dependendo do lado, já que quando o homem se aproveita das poucas mulheres que aparecem para treinar, ou é ignorado, ou conta vantagem para os amigos. Mas muitas equipes de respeito tomam duras decisões em relação a isso. É importante reforçar: conheça sempre seu local de treino. A figura do mestre conta muito na hora do apuro.
E para lembrar eternamente: a culpa sempre será do agressor e, se trouxermos a culpa para nós, os agressores nunca deixarão de existir.
Semana que vem tem mais.
Agradecimento: Pamella Costa Almeida
Fonte: Mayara Munhos
Assédio nos tatames (parte 2): A culpa não é da mulher
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