Assédio nos tatames (parte final): Como e para quem reportar?
Clique nos links para ler os capítulos anteriores do especial:
Parte 1 – Introdução
Parte 2 – A culpa não é da mulher
Parte 3 – Dentro ou fora?
Parte 4 – Também pode ser moral
É realmente difícil reportar. Na pesquisa muitas meninas revelaram terem medo de levar para frente e não serem levadas a sério. Se acontece? Sim.
"(…) Na época, eu era faixa branca, o treino estava normal e tinha um novato que já era graduado vindo de outra equipe. (…) no último rola da noite me colocaram pra rolar com esse menino e no meio do rola, ele colocou a mão nos meus seios. Eu na hora o empurrei, porque ele tinha puxado o meu top. Me ajeitei e voltei a rolar. Naquele instante pensei ter sido coisa do momento (…) mas ele me mandou mensagens pelo Facebook que me fizeram chorar. Conversei com meu professor sobre o ocorrido, mostrei as conversas a ele. E ele falou que eu estava sendo fresca e não me levou a sério. Disse ao professor que caso ele me colocasse para rolar com o rapaz novamente, eu iria parar de treinar naquele local. No outro dia, fui treinar, meu professor não foi. Meu amigo que estava puxando treino foi me colocar para rolar com ele e eu disse que não iria. Mostrei a ele tudo o que o rapaz tinha me dito. Meu amigo rolou com ele, e nunca mais aquele garoto voltou."
Como os homens não passam por esse tipo de constrangimento (não estamos dizendo que mulheres não “assediam homens”, e sim que a forma de constrangimento é diferente) é muito difícil reportar com credibilidade, uma vez que muitos não sabem diferenciar elogio de assédio.Por isso, é muito importante falarmos sobre isso, pois nosso papel aqui é conscientizar e mostrar que o problema não é a roupa curta ou a simpatia, mas sim o discernimento.
Sendo assim, estando em um ambiente de treino correto, você deve se sentir mais do que à vontade, mas na obrigação de reportar ao seu professor. Se ele não te levar a sério, significa que você está no lugar errado.
Mas e quando o assédio vem do próprio professor? Bem, nesse caso, realmente, fica muito difícil saber a quem reportar. Uma vez que o professor é nosso espelho dentro (e fora) do tatame e, tendo ele uma atitude errada, chegamos até a repensar sobre o que estamos fazendo lá.
Em qualquer um dos casos é importante procurarmos a justiça. Há muitos procedimentos jurídicos para qualquer tipo de assédio em que o agressor pode ser punido severamente. Por isso conversei com a advogada especialista em ações de reparação civil por danos – Doutora Denize Tonelotto, que nos mostrou um caminho a seguir e nos livrarmos desse tipo de gente. Ela começou contando sobre o resultado de uma pesquisa realizada no ano de 1995 em que, naquela época, 52% das mulheres entrevistadas já haviam passado por uma situação de assédio. Imagine hoje.
Dra. Denize conta que as mulheres têm receio de denunciar o assédio sexual, porque muitas vezes levam a culpa e o assediador sempre busca uma maneira de justificar sua atitude, culpando principalmente a vítima. “A Síndrome de Burnout é uma doença psicológica desenvolvida após longo esgotamento emocional e normalmente acomete as pessoas vítimas de assédio”, completa.
Para quem tem dúvida se há uma proteção na lei contra o assédio moral e sexual ela conta que sim:
"A repressão ao assédio sexual no Brasil está garantida na Constituição Federal – Lei maior do nosso país. 'Art. 5.º – […] Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (…) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação'.”
Dra. Denize explica que o assédio sexual pode ocorrer por patrocinadores ou professores que se aproveitam de sua influência para cometer o crime. “Através de seu cargo ou influência, ele pode exercer o assédio obrigando a atleta a um relacionamento como ‘troca de favores’, oferecendo um lugar no time ou uma contratação”, conta a advogada. Além de nos mostrar que a punição encontra-se no Código Penal:
“Assédio sexual. Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena – detenção, de 1 a 2 anos.”
Ela nos deu um exemplo de caso marcante, da atleta Joanna Maranhão, que já esteve presente na ESPN contando abertamente sobre o que aconteceu com ela nos bastidores da natação, mas que vale sempre lembrar, principalmente por Joanna ser um exemplo de que não devemos nos manter caladas por medo ou receio do que pode vir a acontecer. Denize afirma:
"A nadadora Joanna Maranhão travou um processo na justiça com seu ex-treinador. Em relatos, a nadadora contou que, desde os 9 anos de idade, seu treinador passou a abusar dela e isso perdurou por muito tempo. Teve sua infância roubada. Sua adolescência comprometida. Tentou suicídio por duas vezes e com muita luta conseguiu superar tudo isso. A coragem da nadadora em revelar, mesmo depois de adulta os abusos que sofreu, motivou a criação de uma lei que ganhou seu nome e protege todos os menores de idade, permitindo que façam suas denúncias quando se tornem adultos e evitando que o crime seja considerado prescrito."
Além do mais, Dra. Denize também orienta como a vítima deve se comportar em um caso de assédio, principalmente para conseguir reunir o máximo de provas: “Tenha sempre em mente que reunir provas é fundamental para que a vítima vença o processo na Justiça e obtenha uma indenização”, diz a advogada. A indenização em um caso como esse é o mínimo que o assediador deve à vítima, e ela de forma alguma significa perdão ou gratificação, trata-se de um valor simbólico pelo assédio à dignidade de alguém.
"É muito importante que a vítima de assédio tenha uma estratégia: 1) resista à agressão e às ofensas o tanto quanto possível; 2) proteja-se e ganhe tempo enquanto reúne provas (por exemplo: gravações de conversas, bilhetes, mensagens, e-mails e tudo que possa provar sua denúncia); 3) procure um bom advogado e ele vai orientar a fazer uma denúncia junto a uma delegacia da mulher e também ao comitê responsável pelo seu esporte. Sempre que a vítima consegue provar a agressão, a justiça tem sido implacável nas condenações aos agressores."
E em relação à indenização, Dra. Denize defende que é sempre importante ingressar com a ação para que sirva como uma forma de desestimular o agressor a cometer novos assédios. Ela conta que o valor pode ser variável de acordo com cada caso e diz que a pena deve ser pesada a ponto de o agressor nunca mais querer cometer o crime.
"Os valores ficam a critério do juiz que analisará cada caso, sua repercussão na vida da atleta e as prováveis sequelas que a agressão poderá trazer para sua vida. Algumas agressões nunca serão superadas. Portanto, compete ao juiz valer-se das provas e do livre convencimento para aplicar a pena ao ofensor. Existe uma teoria no direito que diz a que a pena não deve ser tão leve que seja motivação para a prática de um novo delito nem dura demais que signifique enriquecimento do ofendido. O juiz colocará cada caso na balança e decidirá. Existem condenações que variam entre dez mil e até dois milhões de reais. Cada caso é um caso. Cada vida uma vida. Cada ser humano um ser único, com uma história única de vida".
Portanto meninas, tendo em mãos provas que mostrem o que você sofreu nada será em vão, por isso é muito importante termos ao nosso lado um bom advogado, porque só um profissional te dirá o caminho certo a seguir.
Sabemos que é muito difícil reagir e pensar no que fazer. Temos vergonha, medo, receio… E isso pode nos causar traumas psicológicos imensos. Mas é muito importante levarmos para frente e mostrar que assediadores não passarão. Muitas meninas afirmaram se arrepender de não terem reagido e deixado passar, mas reajam! Só tendo voz seremos ouvidas e só assim esse tipo de gente vai mudar.
Quero deixar claro uma coisa aqui: em momento algum estamos dizendo que o problema é o tatame ou que o jiu-jitsu ensina isso. Muito pelo contrário, sabemos muito bem que esse é o tipo de coisa jamais ensinada dentro de um tatame e que vai contra todos os princípios de nosso esporte (e de qualquer outro, com certeza), mas isso vem de fora e quero deixar claro que: não aceitamos assediadores, estupradores ou seja lá o que for, no jiu-jitsu. Em academias sérias a punição é dura e o agressor não continua lá dentro. Só não podemos fechar os olhos e fingir que isso não acontece em nosso meio, porque é tido como algo cultural e até “normal” aqui no Brasil.
Isso não se limita ao esporte. Na semana passada saiu uma notícia em que o ator José Mayer assediou uma figurinista da novela e em seguida, o ator se justificou dizendo que quem cometeu o assédio foi seu personagem não ele. Ah, claro, por um momento a notícia foi tirada do ar. Mas devido ao barulho feito por muitas pessoas que se indignaram com o caso, o ator foi afastado da próxima novela da emissora. Esse é um exemplo de que se nos calarmos é dar força a essas pessoas.
Outro caso um pouco mais antigo foi da jornalista assediada pelo cantor Mc Biel, que teve coragem de denunciar e infelizmente perdeu o emprego.
Temos também o recente caso da esposa do cantor Victor, da dupla Victor e Léo que acusou o marido de agressão. O cantor fez milhões de desabafos e ainda está impune na história. É importante não nos esquecermos!
O que temos de comum em todos os casos? O famoso “abafa o caso”. A figurinista foi duramente julgada em redes sociais por pessoas que não a conhecem, mas “conhecem” o grande ator que é José Mayer e, claro, continua protagonizando. A jornalista assediada por Mc Biel foi afastada da empresa na semana seguinte do assédio por “contenção de gastos” – enquanto Biel continua na mídia. A esposa do Victor retirou a queixa, eles continuam casados e claro, Victor continua com seus shows.
Vai assédio, vem assédio e a mulher sempre é esquecida, enquanto o homem é venerado. Não desistam, meninas! Nunca se calem!
ELOGIEM MINHA GUARDA E NÃO O MEU CORPO. Treinamos duramente, suamos, vamos atrás de patrocínios e queremos ser reconhecidas pelo nosso esforço e não pela nossa beleza ou simpatia.
Obrigada a todxs que apoiaram desde o início. Tenhamos paciência para fazer nossos amigos que ainda não entendem, entenderem o quanto o caso é importante. A questão não deve ser polêmica, mas tratada de forma séria e é nossa função conscientizar cada um.
Oss!
Agradecimentos:
Pamella Costa Almeida, revisora textual.
E-mail para contato: pamellacalmeida@gmail.com
Denize Tonelotto da Tonelotto & Advogados Associados
Rua Luiz Pinto Flaquer, 441- CJ. 51- Centro – Santo André.
Tel.: (11) 4438-8998 / (11) 4438-8165
E-mail: tonelottoadvocacia@gmail.com
Assédio nos tatames (parte final): Como e para quem reportar?
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