“5 anos de Arena e essa foi a primeira queixa de assédio”, diz torcedora do Grêmio assediada na Libertadores
Em meados de março, quando o #DeixaElaTrabalhar ocupou as manchetes dos principais veículos de comunicação do Brasil e do mundo, dizíamos que a mudança TINHA que vir. Sabíamos que não seria da noite para o dia e que o tempo seria nosso aliado nessa luta. E assim tem sido.
Em quase dois meses desde o lançamento do nosso manifesto (movimento de jornalistas esportivas contra a violência e o assédio), o mundo continuou sendo mundo com suas histórias tristes envolvendo mulheres, mas alguns acontecimentos deram força a nossa causa, aumentaram o volume da nossa voz. Não vou recapitular, mas trago hoje a entrevista com Fernanda Silva, nome fictício escolhido a pedido da vítima que prefere não se identificar. Fernanda* é a torcedora gremista corajosa que fez o que todas devemos fazer: não se calou, denunciou. Foi a primeira denúncia desse teor que teve punição na Arena do Grêmio. O torcedor foi punido pelo Juizado Especial Criminal e afastado pelos próximos 12 jogos do Grêmio. A cada nova partida da equipe, o homem terá de se apresentar à delegacia mais próxima. O mais surpreendente: a primeira queixa em CINCO anos do estádio.
EspnW: Há quanto tempo você frequenta o ambiente esportivo e como se sente num estádio?
F: Desde pequena frequento esse ambiente, costumava frequentar muito o Olímpico, às vezes, somente com amigas. Nunca tinha passado por essa situação de alguém tocar em mim, mas sempre escutei “bobagens” de vários homens. Coisa que nós mulheres estamos acostumadas a passar e fingir que não é com a gente. Sinceramente, sempre me senti bem no estádio, mesmo a presença masculina sendo muito maior. Infelizmente, sempre tive que ter alguns cuidados, serviam como uma forma de “proteção”: usar roupas casuais, nada curto e nem muito justo, sempre tentando não chamar a atenção.
EspnW: Já tinha passado por algum tipo de assédio/violência similar?
F: Infelizmente sim, mas eu era bem jovem e posso dizer que isso mexeu muito com meu emocional, diferente de agora, eu não pude recorrer de forma legal. Foi um trauma pra mim e após passar por esse outro tipo de assédio, só me causou mais indignação e fez eu entender que alguma atitude tinha que ser tomada.
EspnW: O que te motivou a denunciar?
F: No momento do ocorrido me senti completamente desamparada, indefesa e vulnerável. Em seguida, encontrei amigos e família, que me apoiaram e me incentivaram a fazer a denúncia. Uma das pessoas que estava comigo é advogado, ficou comigo do início ao fim, sempre me orientando. Se não fosse por eles eu não saberia a quem recorrer ou como proceder, apesar de querer muito que a justiça fosse feita. Na chegada a delegacia, fui apresentada para uma delegada e estar diante de outra mulher nesse momento foi muito confortante. No momento em que narrei o acontecido senti o interesse dela, me escutou, não julgou e explicou perfeitamente as formas que eu poderia proceder. Além disso, a pessoa da Brigada Militar que me encaminhou até a delegacia era mulher também, me deu proteção e segurou a minha mão o tempo todo. Isso mostra o quão importante é a presença feminina.
EspnW: Você acha que muitas pessoas não denunciam por não acreditarem que as denúncias possam ter desdobramentos? Muitas temem esse tipo de denúncia?
F: Tenho certeza que muitas temem, ainda mais por acharem que não vai dar em nada e o incômodo será maior ainda. Medo de que o agressor possa nos identificar e acontecer alguma coisa pior (Fernanda* escolheu por não se identificar aqui). Acho que outro fator também é da vitima sentir a necessidade de esquecer o que aconteceu, assim acaba não denunciando, e por experiência própria posso dizer que isso é só pior. Acaba nos consumindo por dentro, por mais difícil que seja tomar uma atitude, é o correto. Além de prevenir que outra mulher seja vítima, acaba nos ajudando emocionalmente e servindo de incentivo para outras pessoas.
EspnW: Quais são os receios de recorrer para medidas legais?
F: Acho que o maior receio é de ser rechaçada, não acreditarem em nossa história. Sinceramente, se não fosse por todo apoio que recebi, não saberia a quem ou aonde recorrer. Medo de chegar para algum segurança, contar a história e ele tratar como se não fosse nada, isso faria eu me sentir mais “derrotada” ainda.
Essa questão de como recorrer em casos assim, especialmente em estádios de futebol, devem ser mais informadas. É muito importante essa informação, além de que pode ajudar de alguma forma na redução de casos assim.
EspnW: Você acredita que esse caso, até então inédito na Arena, pode servir de exemplo para que outras denunciem?
F: Acredito e espero que sirva de incentivo para outras mulheres. Após escutar da delegada que em 5 anos de Arena essa foi a primeira queixa de assédio, admito que fiquei bem impressionada: “quantas mulheres já não devem ter passado por essa situação ou até pior?”, pensei. Isso só mostra quanta luta temos pela frente, quanta coisa ainda tem que ser mudada e que qualquer forma de assédio é INADMISSÍVEL. É preciso ter coragem, nós mulheres temos o direito de frequentar o ambiente que quisermos, e somente nos impondo, recorrendo aos meios legais, vamos conseguir.
EspnW: Você sente que a mulher passa também por outras formas de assédio fora do ambiente esportivo?
F: Sim, na rua, trabalho, festas, posso enumerar diversos lugares. É uma realidade que mesmo depois de tantas mudanças ainda nos acompanha. Após a publicação sobre o caso na ZH (jornal gaúcho), resolvi ler os comentários no próprio site e Facebook, fiquei incrédula com diversos comentários. Eram todas publicações vindas de figuras masculinas: “chega de mimimi”, “agora não posso olhar para uma mulher que vou ser preso”, “devia estar com uma calça atolada”… Não importa a roupa, curta, comprida, justa, larga, o que for, NINGUÉM tem o direito de tocar no nosso corpo sem consentimento, não somos objetos e SIM, toda forma de assédio deve ter consequências legais para o agressor.
EspnW: Como você imagina o estádio em que levará seus filhos num futuro?
F: Imagino um lugar em que todos vão somente com o objetivo de torcer e se divertir. Onde não tenha menções racistas, machistas e violência. E claro, com a presença de mais mulheres e crianças nos estádios.
Fonte: Bibiana Bolson
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