A vida do atleta brasileiro expatriado, muito além do estrelato
Expatriados.
Em tempos de xenofobia e intolerância, a palavra soa forte. Na prática, ela pode ter dois significados bem diferentes. Refere-se a alguém que saiu da própria pátria de maneira voluntária ou por obrigação.
Viver em um país estrangeiro sempre será um desafio para qualquer pessoa. Cultura, língua em muitos casos, clima, culinária, religião, são vários aspectos que podem tornar a vida fora do Brasil mais complicada para milhões de pessoas. No universo esportivo a situação não é diferente.
Muito longe das grandes estrelas internacionais, que ganham milhões, são paparicadas por seus clubes e torcedores, vivem em mansões e nem se preocupam com declarações de imposto de renda (quando não o driblam...) existem os personagens que formam a maioria dos atletas brasileiros expatriados. Quase sempre o lado financeiro é o que pesa, ainda mais com a economia brasileira em frangalhos e o Real cada vez mais desvalorizado, mas o desafio de atuar fora inclui muitos outros aspectos também.
No futebol, não há nação que mais fornece pé-de-obra para o mundo. Segundo o CIES Football Observatory, centro de estudos localizado na Suíça, a temporada 2017-18 terminou com 1236 jogadores brasileiros atuando em campeonatos nacionais espalhados pelo planeta. Muito à frente de França e Argentina, segunda e terceira colocadas no ranking com 821 e 760 atletas, respectivamente.
Como Alemão e Anderson Lopes, dois dos representantes brasileiros no futebol sul-coreano. O primeiro é um veterano zagueiro de 32 anos, com longa trajetória em diversos clubes do Brasil, entre eles Santa Cruz, Vila Nova, Ituano e Náutico. Já o segundo, aos 24 anos, é um atacante revelado pelo Avaí, com passagem pelo Atlético Paranaense e também pelo Sanfrecce Hiroshima, do Japão. Os dois chegaram na Coreia do Sul neste ano.
"Na grande maioria das vezes tem a questão financeira quando você vem para fora do país e no meu caso não foi diferente. Fui atrás de informações do futebol e dos clubes coreanos e as respostas sempre foram positivas, então como o país é muito bom para viver e morar, aceitei o desafio", explica Alemão, jogador do Pohang Steelers.
Naturalmente o valor alto oferecido por equipes asiáticas chamam a atenção, mas muito além disso, a segurança no final do mês é o que mais atrai os estrangeiros. "A faixa salarial aqui é muito boa, paga tudo em dia. Não só o meu clube, mas todos os outros. Não atrasam salário, nem bicho. Não tenho o que reclamar da cidade. Moramos na capital, temos muitas opções, minha família adora aqui. É muito bom viver e morar aqui", garante Anderson Lopes, reforço do Seoul FC para a temporada. "Dependendo do clube que você está não tem comparação, mas até mesmo jogando em clube pequeno por aqui ganha mais do que no Brasil em clubes principalmente da Série B, além da questão do salário estar sempre em dia. Não atrasa em clube nenhum", completa Alemão.
Em média, estrangeiros ganham entre US$ 20 mil e US$ 50 mil no futebol sul-coreano.
Nos campos e nas quadras
Bem distante da Coreia do Sul, na região dos Balcãs, não apenas jogadores de futebol constroem a carreira longe do Brasil. Vítor Benite e Augusto Lima, jogadores da seleção brasileira de basquete, foram reforços do Cedevita para a atual temporada.
O clube, com sede na capital Zagreb, tem estrutura impressionante, com três quadras em seu centro de treinamentos, academia exclusiva para os atletas, quatro fisioterapeutas à disposição e muito investimento para voltar a se colocar entre os grandes da Europa. O Cedevita disputa a forte Liga Adriática, basicamente um Campeonato Iugoslavo com adversários de Sérvia, Bósnia, Macedônia e Montenegro, e a Eurocup, segundo torneio mais forte do continente. Além disso, montou um time B para o Campeonato Croata.
"A escolha em vir para a Croácia não foi em relação ao país, e sim ao clube. Pelas ligas que eu vou jogar e a ambição do clube. É um país maravilhoso, tem uma costa linda, o pessoal aqui é muito bacana, educado, mas a minha maior motivação foi jogar em um clube com uma estrutura muito grande, com objetivo de jogar novamente a Euroliga. Hoje estou jogado a Eurocup, uma liga superior à que eu jogava em Murcia. Jogando também a Liga Adriática, que é a ex-Iugoslávia, times da Sérvia, Croácia, Montenegro, Macedônia e Bósnia. Tudo isso me motivou a fazer essa mudança e buscar um caminho diferente nesse momento", explica Benite, um dos grandes talentos do basquete brasileiro na atualidade, revelado pelo Clube Regatas, de Campinas.
A cada ano que passa o Novo Basquete Brasil cresce e se torna uma competição mais forte. Financeiramente, porém, assim como no futebol, a distância para os grandes clubes europeus é enorme. Para se ter ideia, um destaque do NBB ganha cerca de R$ 80 mil - poucos acima disso; Para um atleta de médio destaque, varia entre R$ 20 mil e R$ 30 mil; Há ainda os demais jogadores que compõem um time, cuja faixa salarial fica entre R$ 3 mil e R$ 6 mil. Na Espanha, onde atuavam Benite e Augusto Lima, o jogador médio ganha tranquilamente 8 mil euros, quase R$ 40 mil.
"Financeiramente, em relação aos grandes times da Europa, o basquete brasileiro está bem atrás. Temos orçamentos de times top na Europa muito mais altos, de 23 milhões de euros por ano. Em relação à liga croata não, mas o Cedevita é um time top europeu, então tem um orçamento bem mais alto, eu diria, do que os times brasileiros. Além da estrutura, que é uma das partes mais importantes", diz Benite. "Tive tempo para conhecer um pouco de Zagreb. Uma cidade com um ambiente muito legal, povo muito educado, como o croata é difícil, todos falam inglês. A gente se vira de maneira bem rápida. Apesar de não ser uma cidade tão grande, tem muita coisa para fazer, na parte cultural, bares, restaurantes, as pessoas estão sempre nas ruas aqui".
Quem passou pela Croácia recentemente, mas nos gramados de futebol, foi o meia Bady, meia de 29 anos, com experiência em clubes do interior paulista, além de Figueirense e Atlético Paranaense. Em 2017 teve a primeira oportunidade internacional da carreira, ao ser contratado pelo Gençlerbirligi, da Turquia. Pouco aproveitado pelo treinador, foi se aventurar por seis meses no NK Istra e deu certo: marcou um gol, deu três assistências e ajudou a pequena equipe a se manter na primeira divisão através do playoff contra o rebaixamento.
"Quem trabalha com futebol sabe a importância de estar jogando, poder atuar, a diferença que faz. Por isso aceitei esse desafio e graças a Deus deu certo. Joguei a maioria dos jogos e isso facilitou a minha volta ao clube turco. Foi muito bom ter ido para lá", se lembra Bady, que agora retornou ao Gençlerbiligi para a disputa da segundona turca. "Tem sido uma experiência fantástica pra mim. Não só financeiramente, mas também a experiência de viver outra cultura, poder conhecer mais sobre o futebol europeu. Algo que a maioria dos jogadores tem como sonho, poder jogar na Europa. Estou gostando bastante, sempre com muita dedicação. Sempre buscamos coisas maiores na nossa carreira, principalmente no futebol".
No caso das duas modalidades esportivas já citadas, a realidade no Brasil ainda permite o sonho de se tornar atleta profissional. Com todas dificuldades possíveis, é verdade, mas em campeonatos fortes e bem organizados. Já no handebol a situação é bem diferente.
"O que mais me motivou a ir para a Romênia foi o desafio de conhecer uma cultura nova, um idioma novo e uma liga diferente, além da boa oferta e condições que o clube ofereceu. Financeiramente tem muita diferença em comparação ao Brasil, aqui você vive só do handebol, e no Brasil muitas vezes os atletas têm que estudar ou trabalhar. Poucos conseguem viver só do esporte. Outra grande diferença é que aqui o esporte é profissional, somos pagos como um trabalhador normal, no Brasil muitas vezes não temos nem contrato".
O depoimento acima é do goleiro da seleção brasileira Rangel, de 22 anos, praticamente expatriado do Brasil por obrigação. Em 2016 ele foi contratado pelo Odorhei Secuiesc, clube romeno da região da Transilvânia, após defender o Villa de Aranda, time espanhol. Em dificuldades financeiras, a equipe fechou as portas no início deste ano, mas com a carreira em crescimento, Rangel não precisou voltar ao Brasil. Fechou contrato com o Bidasoa Irún, clube do País Basco, na Espanha.
Professores e head coaches
É notória a dificuldade do treinador brasileiro de futebol em trabalhar na Europa. Diversos profissionais com grandes carreiras fracassaram nas oportunidades que tiveram em grandes clubes - casos mais famosos de Vanderlei Luxemburgo e Luiz Felipe Scolari, no Real Madrid e no Chelsea, respectivamente. Já no Oriente Médio e na Ásia o técnico oriundo do Brasil sempre teve bom mercado.
Recentemente a Arábia Saudita levou o campeão brasileiro Fábio Carille para trabalhar no Al Wehda, e tantos outros estão na região. O Japão sempre foi um porto seguro para os professores daqui, até mesmo pela abertura que Zico, como jogador nos anos 1990, deu ao futebol brasileiro em terras nipônicas. Há outro desbravador agora, mas com uma bola de basquete.
Após conquistar quatro títulos do NBB, uma Liga das Américas e um Mundial com o Flamengo e ter atuado como assistente técnico da seleção brasileira por mais de dez anos, José Neto aceitou o desafio de iniciar um projeto no basquete japonês.
"Tenho recebido convites para trabalhar fora do Brasil há alguns anos, mas os compromissos com a seleção brasileira e os clubes onde estava trabalhando no Brasil eram prioridades até então. Agora, como já não estou mais trabalhando com a seleção e terminou meu contrato com o Flamengo, onde trabalhei nos últimos seis anos, pensei que era o momento de iniciar uma carreira como treinador em uma equipe fora do Brasil", relata Neto, de 47 anos.
Após intervenção da Fiba no basquete japonês, houve a união das duas ligas nacionais em uma só há dois anos. Assim surgiu a B.League, com três divisões e 46 times. Na elite está o Levanga Hokkaido, da cidade de Sapporo e comandado por Neto. "Tive propostas de alguns países, mas a do Japão me atraiu mais por ser uma equipe que está buscando crescer como equipe na liga nacional japonesa e também por ter uma estrutura muito boa para esse desenvolvimento, mas principalmente por apresentarem um interesse grande na minha proposta em criar uma metodologia de trabalho na equipe. Para implementar esta metodologia, pude trazer o preparador fisico Diego Falcão que está trabalhando comigo há 12 anos".
Histórias e motivos não faltam para explicar e contar um pouco sobre essa "diáspora" esportiva brasileira.
A vida do atleta brasileiro expatriado, muito além do estrelato
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