Entre a vontade e a realidade, seleção brasileira busca "jogar bonito"
"Desempenho, sempre. Mesmo que corra risco de continuidade no trabalho. Sei da importância do resultado, mas não controlo. Queremos jogar bonito, sim, não vou fugir disso. Tem que ser agradável, tem que ter prazer e alegria de jogar, mas com solidez".
Dessa forma Tite falou, no dia da convocação dos 23 jogadores para a Copa América e os amistosos contra Catar e Honduras, como ele quer que a seleção brasileira jogue. A prática, porém, não tem mostrado muita sincronia com a vontade do treinador.
As estatísticas comprovam um Brasil que busca o controle do jogo a partir da posse de bola. Desde que Tite assumiu o comando, no segundo semestre de 2016, o time realizou 34 partidas entre amistosos e a Copa do Mundo, com 27 vitórias, cinco empates e apenas duas derrotas. Teve em média 60.4% de posse, com média de 510 passes certos por jogo e aproveitamento de 87.7%. Uma equipe com alto índice de finalizações (15,9 e 6,5 no alvo), metade dentro da grande área (50,9%), e poucos cruzamentos (13,5).
Quando analisado mais a fundo, os números indicam as ideias da comissão técnica bem executadas em campo. O Brasil, por exemplo, é um time que usa linhas altas na marcação sempre. Em média, recupera 51 vezes por partida a posse de bola, sendo 4,38 no último terço do campo. Sofreu apenas dez gols em todos esses jogos e não chegou a duas finalizações sofridas contra na média por compromisso (1,85).
O problema é que, na prática, o futebol não tem sido bonito, como quer o treinador da seleção. Depois do Mundial ainda não houve uma grande atuação, algo que aconteceu antes do Mundial. Muito provavelmente o 3x0 contra a Argentina, em 10 de novembro de 2016, seja a melhor recordação. Já o penúltimo jogo, o 1x1 contra o Panamá em 23 de março deste ano, seja a pior.
"O nosso conceito de jogo não muda. Ele é de construção, criação de jogadas, de querer o gol o tempo todo. Nós fazemos os ajustes necessários sempre dentro do conceito de jogo. A comissão técnica trabalha em cima de um modelo de jogo e não se apega, necessariamente, ao desenho tático. Esse pode variar de acordo com as peças e o adversário", garantiu Cléber Xavier, principal assistente técnico de Tite, já na Granja Comary, em Teresópolis, onde a equipe se prepara para a Copa América.
Serão, no total, 22 dias de preparação até a estreia contra a Bolívia, no dia 14 de junho, no Morumbi. O grupo de jogadores mescla experiência e juventude. Na média é mais jovem do que na Rússia, 27,2 anos contra 28,1, mas tem também muitos jogadores que entendem o conceito desejado por Tite.
Ederson, Fernandinho, Gabriel Jesus e David Neres estão em locais onde a cultura de jogo estabelecida por Johan Cruyff dita as regras. Os três primeiros graças a Pep Guardiola e o quarto por ser jogador do Ajax.
"As duas equipes procuram a construção de jogo curta, então claro que tem equipes que vêm fazer pressão alta, mas sempre há uma solução para a saída. Aqui não é diferente, nos treinos táticos o Tite procura treinar para realizar dentro da partida. Acho que com esse pensamento de ter a bola nos pés, jogar um bom futebol pode ajudar bastante nas partidas", explica Ederson, escolhido a dedo por Guardiola para ser o goleiro titular do Manchester City, também pela habilidade com os pés.
O tímido David Neres se transforma em campo. Parte para cima dos adversários, constrói lances perigosos e se tornou nesta última temporada europeia um dos melhores jovens do futebol mundial. Entendeu rapidamente o conceito de seu clube, treinado por Erik ten Hag. "Tem uma semelhança entre o Brasil e o Ajax, ambos são times que dão muita liberdade para seus jogadores e muita confiança. Acho que o que eu trago do meu clube é ter a coragem e não ter medo de jogar. Isso vai fazer muita diferença na frente, temos que acreditar no nosso jogo".
Foi justamente no período dos oito amistoso pós-Copa que a seleção apresentou seu pior futebol. Ainda vivendo ressaca da eliminação para a Bélgica, os resultados foram positivos - sete vitórias e um empate -, mas o desempenho caiu, principalmente na comparação com as eliminatórias. Mudanças no grupo foram feitas, 44 jogadores foram chamados depois da Copa, novos atletas convocados e muitos testes aconteceram.
Fato é que Tite não esconde seu objetivo e assume a pressão ao afirmar que pretende fazer o Brasil "jogar bonito". É muito raro encontrarmos no futebol brasileiro técnicos falando assim, abertamente, sobre um conceito tão abstrato.
Quase todos os atletas convocados atuam em clubes que têm mais posse de bola que seus adversários e são dominantes em seus campeonatos nacionais. Um deles, aliás, joga para um técnico que serviu muito de inspiração para Tite. Allan joga para Carlo Ancelotti no Napoli.
"São ideias completamente iguais, treinadores que gostam de ficar com a bola. Aproveitar o momento que tem a bola para atacar na hora certa. Isso é até melhor, porque tendo a bola você não passa tanto perigo com o adversário. É a melhor coisa a se fazer no futebol", explica o meio-campista.
Tite, em seu ano sabático, buscou Ancelotti e acompanhou treinos do Real Madrid, na época. Além disso, escreveu a orelha do livro "Liderança Tranquila", do treinador italiano, na versão para o mercado brasileiro. "Os treinos são bastante parecidos, aqui na seleção têm muita intensidade, mas o modo de trabalhar é parecido", completa Allan.
Gabriel Jesus, porém, destaca justamente a falta de treinos como um grande problema. Ainda mais trabalhando com alguém como Pep Guardiola. "O trabalho do Tite com a seleção é curto. Claro que em competição aumento o período, mas quando tem amistoso são duas semanas. É difícil tranalhar mais. No clube você trabalha o ano inteiro, toda temporada, é diferente para colocar as ideias. Mas todos querem jogar bem para vencer, e muitas vezes você acaba jogando bem e não ganha. Tivemos o nosso exemplo contra o Tottenham na Champions. Jogamos muito bem, porém acabamos sendo eliminados".
Dentro desse contexto, há ainda a variação tática que vem sendo testada no time. A plataforma tática de toda era Tite tem sido o 4-3-3 na fase ofensiva e o 4-1-4-1 sem a bola. Agora, o 4-2-3-1 passa a ser primeira opção também. Tudo sempre em busca do jogo bonito e das vitórias.
Fonte: Gustavo Hofman, de Teresópolis-RJ
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