Futebol e ciência: novo artigo aponta causas para alta rotatividade de técnicos no Brasil
Historicamente no Brasil, o futebol sempre foi um meio muito arredio ao conhecimento científico. Com o talento de jogadores abundante em território brasileiro e as conquistas de Copas do Mundo, a modalidade sempre foi tratada como algo meramente intuitivo em muitas áreas de análise. Em algumas delas, a situação não mudou muito na comparação com décadas passadas.
Dirigentes seguem tomando decisões baseadas em "achismos" ou pressões. Não se especializam, atuam politicamente e ignoram qualquer metodologia de análise. Isso faz do Campeonato Brasileiro o pior ambiente possível para um treinador de futebol. Esse cenário serviu de inspiração para um excelente artigo científico, publicado no mês passado, pela Universidade do Esporte da Alemanha, em Colônia.
Intitulado "O impacto das mudanças de comando técnico no futebol brasileiro" é assinado por Matheus Galdino, Pamela Wicker e Brian Soebbing. Matheus é brasileiro, está na Alemanha desde 2016 e é Mestre Científico em Gestão Esportiva, além de pesquisador e professor em Ciência do Esporte na Universidade de Bielefeld.
O estudo investigou 16 temporadas do Campeonato Brasileiro da Série A, no formato de pontos corridos, entre 2003 e 2018. Foram analisados, em avaliação econométrica, todos 6506 jogos disputados e os 264 treinadores empregados no período pelos 41 clubes participantes. A média de trocas de técnicos foi de 37,1 por temporada, contando os interinos, muito acima de outras competições nacionais espalhadas pelo planeta.
Outro índice que chama atenção é a alta rotatividade entre os treinadores. Foram 34,6% de estreantes de uma temporada para outra, ou seja, treinadores que nunca haviam comandado uma equipe na Série A. Ao mesmo tempo, 22,7% dos profissionais comandaram mais de um time na mesma temporada do Brasileirão. Em números absolutos, foram incríveis 594 trocas de técnicos nos 16 anos de análise, incluindo efetivos e interinos. Tudo em pouquíssimo tempo de trabalho: a média de permanência no cargo foi de apenas 65 dias durante o Brasileirão.
A altíssima rotatividade se deve, muito, ao imediatismo dos dirigentes e a incapacidade de trabalho a longo prazo. Olham apenas os resultados mais recentes. O estudo identificou que o maior peso em uma demissão acontece pela sequência de quatro jogos ruins, sendo que a diferença no placar também é um fator preponderante.
"Para cada ponto coletado dentro de uma janela de quatro jogos sequenciais, a probabilidade de sobrevivência do treinador mostrou índices de aumento entre 15,2% a 33,1% (por ponto, variando de acordo com a ordem dos jogos – vide tabela abaixo). O mesmo raciocínio é válido para o efeito contrário: a cada ponto não coletado numa faixa de quatro jogos, reduz-se entre 15,2% a 33,1%, por ponto, a probabilidade do treinador seguir no comando da equipe", informa o artigo científico.
Há ainda um cenário pior, onde o time é eliminado da Copa Libertadores da América. Nesse caso, a probabilidade de manutenção do cargo é drasticamente reduzida entre 182,4% a 560,6%. Na prática, em muitos casos, dirigentes criam expectativas superestimadas e depois transformam o treinador no bode espiatório, independentemente de estilo do profissional, idade ou nacionalidade - outra constatação do artigo.
A consequência mais direta de tudo isso é um mercado instável, onde o medo predomina. Ideias não avançam e sucumbem diante decisões populistas. Há, como o estudo indica, implicações práticas a treinadores, dirigentes e torcedores. No primeiro caso, a absoluta insegurança na profissão pode levar a problemas de saúde física e mental, além de impossibilitar o desenvolvimento de modelos de jogo. No segundo caso, a exposição claríssima da forma irresponsável como muitas pessoas administram enormes departamentos de futebol, sem qualquer critério em escolhas de técnicos.
No final das contas, a torcida é "premiada" com uma competição de qualidade técnica e organização duvidosas. Assim, como sintetiza o artigo, "com preferência a opiniões arbitrárias e argumentos subjetivos em detrimento a teorias acadêmicas e embasamento científico, a cultura de relações sociais que rodeia o ambiente político de dirigentes no Brasil ainda desvaloriza o seu compromisso profissional perante os torcedores, manipulando a opinião pública de acordo com interesses temporários".
Felizmente, e diferentemente do que vemos entre pessoas que tomam decisões em muitos clubes, o meio acadêmico tem estudado cada vez mais o futebol, bem além de matérias na área de saúde, por exemplo, que naturalmente exigem formações específicas. O resultado disso são diversas publicações como, por exemplo, "O futebol nas ciências humanas no Brasil", organizado por Sérgio Settani Giglio e Marcelo Weishaupt Proni, publicado pela Editora Unicamp.
A base do futebol brasileiro também tem se tornado uma excelente fonte de conhecimento. Cada vez mais profissionais buscam a excelência esportiva através da Academia, ampliando o aprendizado além do empirismo em áreas como treinamento esportivo, análise de desempenho e scout. Isso é perceptível pelo nível de conhecimento e atualização de jovens treinadores, demonstrados na prática e também em publicações. A Universidade do Futebol tem sido, há muito anos, catalisadora de boa parte desse conhecimento.
Inclusive, para quem se interessar pelo artigo "O impacto das mudanças de comando técnico no futebol brasileiro", o texto completo está disponível neste link. O conhecimento transforma.
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