Confronto interminável, café quente e 'número 2' no chão. Não é um dérbi, mas eles se odeiam
A maioria das rivalidades do futebol tem uma explicação simples. Normalmente são times do mesmo bairro, da mesma cidade ou região. Ou são times que disputam uma supremacia nacional ou continental. No caso de Brighton e Crystal Palace, porém, não é nada disso. Os clubes carregam uma mútua obsessão que terá um novo capítulo nesta segunda-feira, quando se enfrentam pela terceira fase da FA Cup (Copa da Inglaterra), com transmissão da ESPN a partir das 17h40 (de Brasília).
Afinal, de onde nasceu o 'dérbi da M23', assim conhecido por causa da estrada que ocupa boa parte da rota de 73,5 quilômetros entre os dois estádios? Às vezes, eles passam longos períodos sem se enfrentar, por estarem em divisões diferentes. Mas mesmo quem viveu a maior parte da vida nestes intervalos conhece uma história que se acirrou durante os anos 70.
Diz a lenda que o apelido "Seagulls" (Gaivotas) do Brighton surgiu durante um jogo da terceira divisão na temporada 1975/76, para responder ao "Eagles" (Águias) do Palace. O time da costa sul era antes conhecido como "Dolphins" (Golfinhos), mas a nova alcunha caiu nas graças da torcida e não demorou a ganhar status oficial.
Para a temporada 1976/77, as duas equipes apostavam em técnicos jovens e com uma relação pouco amigável entre eles. Terry Venables, então com 33 anos, assumiu o Palace, enquanto Alan Mullery, 35, se encarregou do Brighton.
Como jogadores, eles foram rivais - Venables revelado no Chelsea, Mullery no Fulham - e depois companheiros no Tottenham. Venables (que seria técnico da seleção inglesa nos anos 90) tinha a expectativa de ser nomeado capitão pelo técnico Bill Nicholson, mas Mullery foi o escolhido, o que criou uma rivalidade interna.
Tanto Brighton quanto Palace tinham a missão de subir para a segunda divisão - e ambos conseguiram, respectivamente em segundo e terceiro lugar. No entanto, foi por causa de um confronto pela primeira fase da FA Cup que o ranço entre os clubes mudou de patamar. Na época, disputavam-se "replays" (jogos-desempate) ilimitados até que se definisse um classificado.
O Palace buscou o empate no campo do Brighton graças a Rachid Harkouk, que saiu do banco de reservas em sua estreia para marcar o último gol dos 2 a 2. Harkouk, nascido em Londres, jogou a Copa de 1986 pela Argélia e se aposentou logo depois, aos 30 anos, por causa de uma lesão. No primeiro replay, o Brighton foi melhor, mas o Palace, em casa, conseguiu forçar uma nova partida com o empate por 1 a 1 na prorrogação.
O segundo replay, porém, precisou ser adiado duas vezes por causa do mau tempo. Depois que eles finalmente conseguiram jogar no campo neutro de Stamford Bridge, estava claro que a inimizade seria irreversível. O Brighton, derrotado por 1 a 0, até hoje aponta o árbitro Ron Challis como responsável pela eliminação.
O Crystal Palace vencia por 1 a 0 graças ao gol de Paul Holder, aos 18 minutos, mas o Brighton deveria ter empatado pouco depois com Peter Ward. Challis anulou, alegando um toque de mão. Tempo depois, Jim Cannon, do Palace, admitiria ter empurrado Ward na direção da bola. Mas o pior para os costeiros ainda estava por vir.
A doze minutos do final, Chris Cattlin sofreu pênalti de Barry Silkman e Brian Horton marcou, mas o árbitro mandou retornar a cobrança por invasão de área. Não adiantou a reclamação dos jogadores do Brighton, alegando que apenas jogadores do Palace haviam invadido. Paul Hammond defendeu a segunda tentativa de Horton e garantiu o avanço das Águias.
Quando Mullery, revoltado com a atuação de Challis, caminhava de volta para o túnel, um torcedor do Palace atirou café quente em sua direção. O técnico, então, tirou algumas moedas do bolso, jogou no chão e gritou: "Isso é tudo o que você vale, Crystal Palace!". Ironicamente, Mullery viria a dirigir o time londrino por dois anos, entre 1982 e 1984, numa decisão que gerou protestos e até um boicote da torcida, com impacto na média de público.
Antes disso, porém, Brighton e Palace subiram juntos mais uma vez, desta vez para a primeira divisão, ao final da temporada 1978/79. O Brighton terminou a última rodada como líder, mas perdeu o título por um ponto quando o Palace venceu uma partida adiada contra o Burnley.
Anos 80 - O Palace foi rebaixado em 1981, já sem Venables, que havia saído em outubro para o Queen's Park Rangers. Nas duas temporadas que passaram juntos na divisão principal, foram três vitórias do Brighton e um empate. O Brighton caiu em 1983 e só retornou à elite em 2017, chegando a passar pela quarta divisão durante os anos 90.
A década de 80 viu superioridade do Brighton nos confrontos, mas terminou com o Palace rindo por último e voltando à primeira divisão em 1989. Naquele ano, foi disputado um dos confrontos mais bizarros entre eles: foram cinco pênaltis marcados em um espaço de 27 minutos. Quatro foram a favor do Crystal Palace, que perdeu três, e ainda assim venceu por 2 a 1.
Em um intervalo de 22 anos, até 2011, as equipes só se encontraram em dois campeonatos: 2002/03 e 2005/06, ambos na segunda divisão. O destino reservou para 2013 um dos confrontos mais importantes da história da rivalidade: a semifinal dos play-offs de acesso para a Premier League.
Número 2 - O Brighton terminou a temporada em quarto lugar, uma posição acima do Crystal Palace, e era favorito à vaga na final de Wembley após buscar um empate sem gols em Selhurst Park. Então, um episódio surreal marcou a partida de volta. Ao chegar ao vestiário dos visitantes, os jogadores do Palace encontraram fezes humanas no chão. Movida ou não pela raiva, a equipe de Londres venceu por 2 a 0, gols de Wilfried Zaha, e se garantiu na decisão em que bateria o Watford.
Então técnico do Brighton, o uruguaio Gus Poyet se revoltou com o incidente e escreveu um e-mail furioso para a direção do clube exigindo a punição dos responsáveis. Uma investigação interna terminou sem achar culpados. Poyet seria afastado alguns dias depois (e posteriormente demitido) por uma "brecha de contrato" que o Brighton jura não ter relação com o caso.
Embora nada tenha sido comprovado, e provavelmente nunca seja, em 2015 o zagueiro Paddy McCarthy, que fazia parte do elenco do Crystal Palace na ocasião, afirmou em um evento (no vídeo abaixo, em inglês) que o responsável pelo 'número 2' no chão era o motorista do ônibus do próprio time, que não conseguiu chegar a tempo ao toalete.
Com a chegada do Brighton à Premier League no ano passado, o dérbi da M23 voltou a ser disputado. Mas o primeiro duelo não saiu do 0 a 0. Nesta segunda-feira, é jogo eliminatório, com toda a tensão que eles costumam carregar. A rivalidade é estranha, mas não deve nada a nenhuma outra. Não pode perder.
Fonte: Leonardo Bertozzi
Confronto interminável, café quente e 'número 2' no chão. Não é um dérbi, mas eles se odeiam
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