Efeito quarentena: Treinadores e auxiliares vivem rotina sem o campo e recorrem à tecnologia durante paralisação

Foram poucos meses de futebol no Brasil até a parada por conta do coronavírus. Para ser mais preciso, cerca de 75 dias em que treinadores, comissões e atletas iniciavam uma temporada cheia de esperanças, sonhos e metas, mas que se congelou completamente quando a pandemia se espalhou pelo mundo.
Se na Europa falamos em reta final de temporada, no Brasil ela apenas começava. Alguns destes casos, com trabalhos iniciados em 2020, outros vindos do ano passado, mas com a perspectiva de consolidação. Em comum, todos buscando o modelo de jogo ideal, o encaixe perfeito para que o ano fosse repleto de títulos e conquistas.
Todos sabem que estabelecer um modelo de jogo consistente, que o faça competir forte em várias frentes, não é das tarefas mais fáceis. Ainda mais num calendário apertado como o brasileiro. Mas com a repentina parada do futebol os desafios triplicaram. Uma nova rotina, uma nova busca e a incerteza de quando tudo voltará ao normal.
É com este cenário que treinadores, auxiliares, preparadores físicos, fisioterapeutas e todo staff do futebol vem tentando minimizar danos sob o efeito dessa inesperada quarentena. Os treinadores e auxiliares, responsáveis por criar engrenagens e treiná-las para virarem grandes times, respectivamente, perderam seu maior aliado: o campo.
Se outras áreas tentam se virar nas últimas semanas, seja com instruções de comportamento ou mesmo treinamentos remotos, com uso de tecnologia, quem precisa da bola rolando sofre com mais impactos. Mais que isso, fica praticamente de mão atadas. A verdade é que terão pouca relevância em processos determinantes neste momento tão atípico.
O caso de Felipe Conceição é bem emblemático. Depois de passagens por Botafogo e Macaé, o jovem treinador de 40 anos assumiu um dos projetos mais promissores do futebol brasileiro: o Red Bull Bragantino. Com toda a montagem do elenco acontecendo em meio à disputa do Campeonato Paulista, o comandante, aos poucos, foi encontrando um padrão de jogo para sua equipe, que antes da parada vinha com três vitórias consecutivas.
"A parada interrompe um processo de crescimento dentro de um início de temporada. E isso, com certeza, traz um prejuízo. Ainda mais no nosso caso, já que conseguimos chegar em um ótimo nível antes de suspenderem os jogos. Passamos a ser a melhor equipe do Campeonato Paulista desde a minha chegada e a primeira equipe classificada para a próxima fase. Lógico que teremos que dar alguns passos atrás, mas pelo bom processo que fizemos, temos tudo para voltar rapidamente para o estágio que estávamos", afirma o treinador, em entrevista ao blog.
Outra realidade da grande maioria das equipes em solo nacional é o pouco tempo de pré-temporada, algo que é muito determinante para os europeus, por exemplo. É bem claro que no Velho Continente este período é tratado como algo muito além de dar condição física aos atletas, mas sim fincar conceitos e pilares do modelo de jogo que ganhará corpo com o passar dos jogos. Parar neste momento, acaba por ser quase que uma pré-temporada sem treino. O que piora ainda mais a situação, já que não sabemos quando o futebol voltará e quanto tempo as equipes terão para se preparar – na verdade grandes chances de não ter tempo algum, já que, com tudo espremido, cada dia será ultra valioso.
Também no Estado de São Paulo, o Palmeiras é outro clube que gera grandes expectativas em 2020. Com o retorno de Vanderlei Luxemburgo e algumas mudanças em sua administração, como troca de diretoria e enxugamento do plantel, se esperava muito dos alviverdes nesta temporada. A forma de jogar, que já vinha ganhando corpo, principalmente com a ideia de um jogo mais vertical e de exploração de suas melhores individualidades, foi freada com a pandemia.
"Parar é ruim. Você está desenvolvendo um modelo de jogo, os jogadores estão se adaptando e entendendo as ideias. E também são os próprios jogos que vão dando esse crescimento. É maléfico para todos os profissionais. Não tem como. Atrapalhou todo mundo, mas é o que estamos vivendo", explica Maurício Copertino, auxiliar técnico de Luxemburgo no Palmeiras.
Imagine que a construção de uma equipe tem suas casas num jogo de tabuleiro. Conforme conceitos vão se tornando naturais, ideias vão se estabelecendo e a forma de jogar vai melhorando, a equipe vai avançando casas. Olhando para o cenário atual, podemos dizer que muitos times andarão muitas casas para traz. Algumas, inclusive, precisarão recomeçar o jogo.
O que dá para se fazer à distância?
Talvez esta tenha sido a primeira pergunta que as comissões técnicas fizeram assim que foi anunciado a parada total do futebol no Brasil. Enquanto outras áreas foram se organizando dentro de suas possibilidades, o papel de treinadores e auxiliares ficou extremamente limitado.
Sem o contato frequente, o tato no dia a dia e, principalmente, os treinamentos. Pouco pode ser feito. Por conta disso, os vídeos passaram a ser uma saída. Sempre olhando para trás, tentando, no máximo, projetar o que vem pela frente.
"Nesse período só temos como analisar o processo já feito. Rever os jogos, treinos e tudo o que já foi construído. Além disso, dá para analisar o que os adversários já construíram", explica Felipe Conceição.
"Os vídeos são ferramentas que podem ser utilizadas sim, porém devem ser pensados em que momento serão proveitosos. Sem a dinâmica dos treinamentos e jogos, o impacto dos vídeos tem uma limitação", completa o comandante do RB Bragantino.
A capacidade de adaptação acaba sendo um trunfo para alguns profissionais e a ideia de adquirir mais conhecimento e experiências na área acaba sendo uma saída bem recorrente, assim como em outras profissões.
"É uma situação nova para todos. É uma questão de se adaptar mesmo, não fugimos disso. No meu caso, tenho tentado assistir muitos jogos, trocar informações de conceitos e esquemas. Estou tentando conhecer novos jogadores também, já que é algo que às vezes falta um pouquinho de tempo para gente que vive o dia a dia. Ver times de outras regiões que a gente não acompanha de perto também é outra coisa que tenho feito", conta Copertino.
Celular e aplicativos ajudam no contato, mas mais entre a comissão
Em tempos de isolamento social, a falta de contato diário obviamente é algo bastante danoso para a vida dos profissionais do futebol, que estão sempre muito rodeados de pessoas (esse tema virá com mais profundidade nos próximos capítulos da série). Então a saída acaba por ser a internet, celulares e aplicativos.
Mas esta rotina de conversas acaba por envolver mais as comissões técnicas, diretorias e também profissionais mais da área física/fisioterapia. Com muito tempo livre, os treinadores têm tentado fomentar discussões e ajustar planejamento para quando as coisas voltarem ao normal.
"O contato com o professor Vanderlei (Luxemburgo) é diário. Com o Mello também (Antônio, preparador físico). A gente tem discutido muito algumas questões de trabalho envolvendo o Palmeiras. Falando sobre possíveis atletas. A ideia é tentar canalizar esse tempo vasto para refletir e trabalhar o que podemos melhorar. Mas, obviamente, nada disso que a gente tem feito é melhor que o dia a dia", revela Maurício Copertino, que tem sido muito influente na rotina de treinamentos do time alviverde.
Já Felipe Conceição explica que neste momento a ideia tem sido manter todos atualizados. Mas que trabalhar mesmo acaba ficando mais a cargo da área física e médica, já que tem a responsabilidade de preparar/tratar os atletas neste período. Segundo ele, o olhar mais técnico se dará no momento que algum prazo para a voltar estiver estipulado.
"Desde a parada, toda a comissão e diretoria vem mantendo contato com os atletas para minimizar o afastamento social e mantê-los atualizados. Temos alguns processos na parte física e na parte técnica/tática sendo desenvolvidos para um possível retorno. Quando estivermos cientes da data de um retorno, esse contato será mais voltado para a área técnica", afirma.
Apesar de os clubes terem entrados de férias no momento, Maurício Copertino não crê que o contato constante com os atletas neste momento terá grande influência. Para ele, questões de planejamento são mais importantes vislumbrando a volta do futebol.
"Eu acredito muito no dia a dia. No cara a cara. Esse negócio de você em casa e os caras na casa deles, tentando manter uma rotina, é complicado. A gente tem tentado não interferir muito neles. Realmente não acredito muito que possa ter efeito. Claro que você pode trabalhar o planejamento, tentar se organizar melhor. Trocar ideias, pensar em outros caminhos no que pode ser feito", conclui o auxiliar técnico do Palmeiras.
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