Por que a MLB tem sofrido muito mais que as outras grandes ligas americanas para voltar da pandemia
A NBA já anunciou seu plano de retorno da pandemia, a NHL também e a NFL já estabeleceu como será a pré-temporada e a temporada em si. E, bem, MLB também, mas há uma diferença: jogadores rejeitaram a proposta e ainda não se sabe como será essa volta. O impasse entre o que querem os donos de franquias e o que querem os jogadores é tamanho que há quem acredite que nem tenhamos temporada do beisebol em 2020.
Mas o que torna a situação da Major League Baseball tão complicada na comparação direta com as ligas de basquete e hóquei no gelo? Há diversas razões (um articulista da ESPN americana chegou a elencar nove motivos), mas três se destacam como as principais.
Obs.: para entender como está o panorama geral das diferentes ligas, basta ver meu post anterior neste blog.
1) Impacto no calendário
A pandemia estourou em março nos Estados Unidos. Foi quando as ligas pararam suas atividades: a NBA e a NHL na reta final da temporada regular, a MLB no meio da pré-temporada. O momento foi particularmente ruim para o beisebol em relação aos demais esportes.
A NBA e a NHL foram bastante afetadas, mas cerca de 80% da temporada regular já tinha acontecido. O plano de retorno precisa apenas contemplar um pouco de temporada e um esquema especial de playoffs. É mais fácil negociar uma solução radical como isolar os times em “bolhas”, por exemplo, uma solução mais barata do ponto de vista operacional, mas que sacrifica mais os jogadores pelo distanciamento de suas famílias.
Mas o maior benefício de já ter a temporada em estágio avançado é o faturamento em venda de ingressos e de produtos nos dias de jogos. Ainda que ter portões fechados na reta final do campeonato represente uma perda grande, as franquias já garantiram centenas de milhões de dólares previstos para esse ano em “matchday” (termo comum na gestão esportiva que engloba as receitas em dias de jogos, com ingresso, venda de alimentos, venda de produtos licenciados, estacionamento etc). É mais fácil absorver a perda.
No beisebol, o cenário é bem pior. Os únicos jogos com públicos foram de pré-temporada, irrelevantes no total do orçamento das equipes. A temporada inteira terá de ser jogada sem público nos estádios, o que deixará os times muito mais longe da meta de faturamento para o ano. Justamente por isso, o grande atrito entre sindicato de jogadores e liga é em como calcular o dinheiro que será pago aos atletas.
A NFL também terá a temporada toda em portões fechados. Mas...
2) Importância da bilheteria
...no futebol americano, o público nos estádios tem uma importância muito menor no faturamento das franquias. Aliás, a Major League é a grandes ligas americanas que tem nos dias de jogos a maior fatia da receita total: 40%.
A MLB tem média de público em torno de 29 mil, dez mil a mais que NBA e NHL e com o dobro de jogos na temporada regular. A NFL tem mais que o dobro, mas só conta com um décimo das partidas. Ou seja, a liga de beisebol lidera o esporte americano (aliás, o esporte mundial, porque vence também qualquer campeonato do planeta) em ingressos vendidos. Além disso, a modalidade é intrinsecamente ligada ao consumo de tudo quanto é coisa nos estádios. A ponto de a Sports Illustrated já ter feito uma reportagem sobre o impacto do adiamento do beisebol na indústria de salsichas e amendoim nos Estados Unidos.
Por isso, realizar uma temporada inteira de portões fechados tem um impacto grande para qualquer competição de alto nível, mas é especialmente grave na MLB. O que motivou um certo pânico dos donos de franquias, que temem ter prejuízo se a temporada foi muito longa e se os salários dos jogadores...
3) Relação trabalhista
...for pago dentro do que eles próprios haviam combinado em março. Na época, a liga e o sindicato fecharam um acordo que os atletas receberiam seus salários em uma proporção direta à quantidade de partidas da temporada. Se a temporada tiver 81 jogos (metade dos 162 previstos), os salários seriam de 50% do previsto em contrato. Se fossem 40 partidas (praticamente um quarto dos 162), ficaria em cerca de 25% do previsto. E assim por diante.
No entanto, os donos de franquias perceberam depois que o faturamento deles não será a metade do esperado se a temporada tiver metade dos jogos, porque essa conta ignorava o fato de que não haverá receita em “matchday”. Assim, tentaram refazer o acordo com os atletas, prevendo cortes que fariam alguns jogadores receberam apenas um sétimo do salário integral se a temporada fosse cortada pela metade.
Claro, os jogadores não aceitaram. Já houve contraproposta, e contracontraproposta, e há uma esperança que elas se aproximem até que se encontre um acordo. No entanto, o acordo que rege as relações trabalhistas da MLB vence no final de 2021, e as negociações para sua renovação já vinham quentes desde 2019. Isso faz da negociação pontual da pandemia uma prévia da discussão sobre o acordo trabalhista, aumentando a intransigência dos dois lados.
Nas demais ligas, isso não é um problema tão grande. Na NBA, a relação entre o sindicato e a liga é muito mais amistosa. Na NHL, o acordo trabalhista atual dura até 2022, a negociação para sua renovação está mais distante. Na NFL, a associação de atletas tem muito menos poder de barganha diante dos donos. E, como regra geral para as três, há teto salarial, que tem como um dos elementos de cálculo o faturamento da liga. Ou seja, se os clubes faturarem menos que o esperado por causa da ausência de torcida, o teto salarial é imediatamente recalculado. Tudo isso já estabelecido no papel.
O beisebol não tem teto salarial, então a negociação é mais livre. E, também por ser mais livre, cada cenário excepcional exige uma nova negociação. Talvez até se encontrem termos melhores que o cálculo automático das outras ligas, mas também aumenta o risco de não haver acordo algum. É o que estamos vendo agora.
Fonte: Ubiratan Leal
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