O peso dos gestos antirracistas da Nascar

“Essa é a maior vergonha da Nascar. Isso tem de acabar, mas ainda tem muito por aqui.”
Tom Dannemiller foi seco e direto nas palavras, mas seu tom também indicava uma mistura de decepção com falta de esperança. Passávamos diante de uma das centenas de acampamentos de torcedores da Nascar, com trailers e churrasqueiras reunindo famílias de fanáticos, que demonstram sua torcida com grandes mastros decorados com várias bandeiras, uma acima da outra. No caso, a mais alta era de Tony Stewart. Logo abaixo, da Chevrolet, carro utilizado pelo piloto. E mais abaixo o alvo do ataque de Dannemiller: a Bandeira de Batalha do Exército do Norte da Virgínia, mais conhecida como “Bandeira Confederada”.
O pavilhão representa o exército derrotado na Guerra Civil Americana (1861-1865), um lado que tinha como principal causa defender a manutenção da escravidão nos Estados Unidos. E o fato de ser exibido por décadas, quase sem restrições, no Sul dos EUA reforçou a bandeira como um símbolo racista. Para Dannemiller, americano de Cleveland e empresário do piloto brasileiro Nelsinho Piquet durante sua passagem pelo automobilismo norte-americano, a naturalidade com que se via símbolos dos confederados em autódromos da Nascar era danoso à categoria.
Isso foi em maio de 2011. Desde então, a Nascar deu alguns passos para mudar essa imagem. Houve determinações para inibir a exibição da bandeira confederada nos autódromos, mas isso não impediu que torcedores levassem as suas e as expusessem nos acampamentos ao redor dos autódromos. O programa Drive for Diversity, que visa incentivar o desenvolvimento de pilotos pertencentes a minorias étnicas, começou a dar resultado e levou o nipo-americano Kyle Larson, o afro-americano Darrell “Bubba” Wallace Jr e o mexicano Daniel Suárez à Cup Series, a primeira divisão da categoria.

Mas a virada real parece ter vindo neste ano. Em abril, o próprio Larson foi flagrado usando um termo racista em uma conversa durante uma corrida virtual. Ele foi suspenso pela Nascar, dispensado pela equipe Chip Ganassi e ainda perdeu seus patrocinadores. Com o crescimento de manifestações após a morte de George Floyd em Mineápolis, a categoria foi ainda mais agressiva.
Liderados por Bubba Wallace, que ganhou força como líder dos negros dentro do automobilismo americano, e de Dale Earnhardt Jr, um dos pilotos mais populares do país neste século e que, após sua aposentadoria, se tornou uma das vozes mais influentes do automobilismo americano. Bubba ganhou cada vez mais espaço para expor ao público da Nascar qual a realidade dos afro-americanos, com Dale Jr servindo como uma espécie de escudo para eventuais críticos.
Em 6 de junho, véspera da prova de Atlanta, vários pilotos publicaram nas redes sociais um vídeo em que todos se posicionam contra o racismo e a favor do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). A iniciativa foi de Jimmie Johnson, maior campeão da história da Nascar ao lado de Dale Earnhardt (pai de Dale Jr) e Richard Petty. Antes da corrida em si, no dia seguinte, foi feito um estrondoso minuto de silêncio, em que os pilotos interromperam as voltas de aquecimento para parar os carros e desligar os motores enquanto um mecânico da equipe de Bubba exibia uma camiseta do movimento Black Lives Matter. Em seguida o único piloto negro da Nascar pediu o banimento definitivo da bandeira confederada de eventos da categoria. Nesta quarta, seu desejo foi atendido.
Todas as ligas esportivas americanas demonstraram apoio às mobilizações antirracistas. Mas provavelmente em nenhuma delas isso tem simbolismo maior do que na Nascar. Uma categoria que tem sua base mais fiel de torcedores formada por brancos do interior do sul dos Estados Unidos, onde casos de racismos são mais comuns e há mais tolerância (ou mesmo defesa) de símbolos e figuras do exército confederado, basicamente membros de famílias escravagistas.
É bom ver a maior categoria do automobilismo americano não ter de lidar mais com essa vergonha. E que, como imaginava Dannemiller, que esse novo momento ajude a torná-la mais popular e diversa nas pistas e nos acampamentos que invadem cada circuito em dia de corrida.
Fonte: Ubiratan Leal
O peso dos gestos antirracistas da Nascar
COMENTÁRIOS
Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.