Do cimento ao Camp Nou: pioneira revela como homens e mulheres são 'iguais' no futebol do Barcelona

Maria Victoria Poli, especial para o espnW.com.br

Andressa Alves é a primeira brasileira a vestir camisa do Barcelona
Andressa Alves é a primeira brasileira a vestir camisa do Barcelona Divulgação

Da grande São Paulo para o mundo! Seleção brasileira, Europa, Barcelona. Talento no pé, tatuagem de diamante. Se uns dizem que a joia do Barça se mandou para Paris, ela está lá para provar que não.

Andressa Alves mostra ser decidida e confiante a cada frase: a filha do meio de uma família de outras duas irmãs e um irmão, tem a certeza de que vive o auge da sua carreira. Nascida em Parada de Taipas, na zona norte de São Paulo, o primeiro contato com o futebol foi nas ruas do bairro e, como é comum entre as jogadoras do Brasil, rodeada de meninos. E, assim, aos dezesseis anos, trocou o cimento e o gol improvisado pelo campo e por redes de verdade na Rua Javari.

“Tive um professor na escola que conseguiu um teste pra mim no meu primeiro clube, que foi o Juventus da Mooca. Naquela época não tinha muita informação de onde tinha teste, de escolinha para meninas. Não é como agora que tem divulgação em vários lugares”, contou.

Dos gramados, não saiu mais. Oito anos depois de dar os primeiros dribles na zona leste de São Paulo, hoje carrega o número 22 do Barcelona. Andressa conhece o peso do azul e grená que carrega no peito. E o clube, por sua vez, também sabe da dimensão e da trajetória que os atletas do Brasil deixam por lá.

Pensar nos brasileiros que fizeram sucesso no Barcelona remete aos títulos e gols de Romário, Rivaldo, Ronaldo, Ronaldinho e Neymar - só para lembrar dos mais recentes. Mas Andressa é a primeira mulher brasileira a vestir a camisa de um dos clubes mais cobiçados do planeta.

A adaptação foi tão fácil quanto tabelar com a meia-atacante habilidosa, que já domina os passes das companheiras e o idioma do país que a acolheu: “Catalão é difícil, castelhano eu já aprendi e falo fluentemente, então tenho facilidade e consigo entender tudo no treino, sair com as meninas para passear. E Barcelona é aquilo, cidade turística, todo mundo quer ir para lá. Cidade boa, comida boa, a temperatura no inverno não é tão fria quanto na França... Então é muito fácil viver lá. Jogar lá também é muito fácil, o futebol de lá é aquele que você fica com a bola no pé, não é muito de lançamento. O nosso futebol brasileiro também é assim, então isso ajuda bem”, explicou.

Ninguém desfila pelos campos da Champions League e da Liga Espanhola por obra do acaso. Para chegar lá, Andressa jogou no Juventus da Mooca por três anos antes de despontar como uma das atacantes de maior sucesso da nova geração. Passou por Foz Cataratas, Centro Olímpico, Ferroviária e São José, equipe com a qual conquistou a Copa Libertadores da América de 2014 e, de quebra, ficou com o título de artilheira do torneio, com seis gols. Seguiu fazendo história com o time paulista: venceu o Mundial de clubes no Japão de forma invicta e coroou aquele ano com o troféu da Copa América feminina com a seleção brasileira.

Andressa Alves, com a seleção brasileira, nos Jogos Olímpicos do Rio 2016
Andressa Alves, com a seleção brasileira, nos Jogos Olímpicos do Rio 2016 Getty

Com a camisa verde e amarela, em 2012, Andressa estreou ao lado de atletas que eram uma inspiração distante. Jogar ao lado de ídolas como Marta, Cristiane e Formiga não passava de um sonho até então. “Conheci a Marta e a Cristiane na minha primeira convocação para a seleção principal, que foi em 2012. Já eram referência e até hoje são, não tem como. As duas são muito boas! Dão apoio, deixam jogar com liberdade. A gente está sempre brincando, então o entrosamento facilita quando tem amizade fora de campo, ajuda bastante. As duas são muito gente boa, então fica muito fácil. Tanto elas como todas: a gente na seleção é bem unida”, revelou a jogadora.

Ao lado das heroínas, disputou a Copa do Mundo de 2015, no Canadá. A seleção brasileira acabou eliminada nas oitavas-de-final, mas Andressa Alves deixou sua marca e, também, levou uma para casa: última partida da fase grupos, duelo contra a Espanha valendo a classificação e gol da vitória justamente dela. “Foi meu primeiro gol com a seleção no Mundial. Foi meu primeiro Mundial com a seleção principal, fui eleita e melhor jogadora do jogo, tenho até a placa aqui em casa, e esse com certeza ficou marcado. Com certeza é o mais especial”, admitiu.


Todo o talento atraiu olhares internacionais. “A seleção é uma vitrine, a partir dela os clubes conseguem te ver mais facilmente”, disse a atleta a respeito da proposta do Boston Breakers, dos Estados Unidos. Ela recusou por conta do projeto da CBF de seleção permanente. “Eu não fui, preferi ficar na seleção permanente. Se eu fosse para lá, é aquilo: ia jogar seis meses, que é o tempo da temporada nos EUA. Pra mim não valia a pena, foi uma escolha pessoal”. Depois, foi parar na França, no Montpellier, por uma temporada. De lá, surgiu a oportunidade de ir para o Barcelona, onde ela está há uma temporada e, por conta do excelente desempenho, renovou recentemente por mais duas, até 2019.

Mesmo com a cabeça e o futuro na Europa, o coração continua no Brasil, acompanhando de perto o desenrolar do Campeonato Brasileiro masculino de futebol. A foto com o meia Jadson, publicada nas redes sociais, não disfarça a paixão. Se ela é corintiana? “Nossa, doente! Desde pequena.”, não esconde Andressa.  “Já estou pedindo para entregar a taça! Acompanho tudo, quando tenho tempo livre no Brasil, sempre vou na Arena. Toda vez que estou no Brasil eu tento ir”, contou.

Fazendo jus à marca que carrega na própria pele, o diamante brasileiro do Barcelona começa a brilhar. O objetivo de título na primeira temporada foi cumprido com a conquista da Copa da Rainha, e o apelido nunca fez tanto sentido. “Eu já tinha a tatuagem, fiz porque gosto e quando cheguei lá um repórter espanhol fez uma matéria assim comigo: ‘o diamante do Barça’, e ficou. As meninas ficavam me zoando lá, e acabou pegando. Até hoje brincam com isso”. O diamante gravado no pescoço é uma forma de tentar registrar os traços da personalidade da atleta: “Faz dois anos que fiz, é a única tatuagem que eu tenho. Significa muitas coisas: amor, alegria, e é uma coisa que você não pode ter, né. Um diamante é difícil de ter, mais fácil tatuar!”, brincou.

Andressa é, hoje, a atacante brasileira que veste a camisa do Barça, que divide o centro de treinamento com Lionel Messi e companhia - e com as mesmas condições. “É igual ao masculino”, revela Andressa. “Todos os treinos, o jeito de jogar, o esquema tático, desde a primeira equipe indo para o sub-17, sub-20, treinam igual. É tudo igual, a filosofia do clube não muda. Serve para o masculino, serve para o feminino, é muito certinho o jeito do Barça jogar”.

Andressa, Cristiane e Marta na seleção
Andressa, Cristiane e Marta na seleção Getty

De férias no Brasil durante o último mês de julho, Alves aproveitou o tempo com a família e se recuperou da lesão no ligamento do tornozelo que a tirou de partidas decisivas no final da temporada passada pela Champions League, Campeonato Espanhol e Copa da Espanha. Agora, começa um novo ano com a forma física recuperada e as expectativas ainda mais ambiciosas. “O Barça virou profissional ano passado. Já tinha o time mas de virar profissional, da Liga Espanhola virar profissional, foi ano passado, e foi a primeira vez que um clube espanhol chegou na semifinal, então já foi uma vitória muito grande. Não é fácil chegar numa semifinal de Champions e esse ano já contrataram. Só tinham três estrangeiras, agora são cinco, então estão investindo aos poucos para sermos campeãs da Champions”, analisou.

A origem e o sonho do brasileiro que deixou o clube e da brasileira que começa a escrever sua história por lá, se parecem na essência, mas chegou a hora de Andressa Alves mostrar que ela realmente é a cara do Barça. “Posso te dizer que cheguei no topo, só falta ganhar os títulos de expressão que a gente almeja, que é uma Champions”, finalizou.

A carreira da paulista tem avançado num ritmo de “tiki-taka”, como a posse de bola, a pressão e a troca de passes frenética e de sucesso dos catalães. Andressa no entanto quer mais, quer brilhar como Marta, golear como Cristiane e provar que a grande joia do Barcelona ainda é um diamante brasileiro.

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