O drama longe das quadras de uma lenda do basquete: depressão, tentativa de suicídio e tiro no carro da namorada

Allison Glock, para o espnW.com*

Quando o jogo acaba

A vitoriosa carreira de Chamique Holdsclaw no basquete permitiu que ela ocultasse seus distúrbios psicológicos. Até que não conseguiu mais. Depois de chegar ao fundo do poço, abandonou as quadras e encontrou um objetivo maior.

Imagens de MELISSA GOLDEN

 

 

CHAMIQUE HOLDSCLAW é uma mulher acostumada ao assédio. Medindo 1,88 m de altura, esbelta, com tranças que chegam até a cintura e maçãs do rosto salientes que fazem com que ela aparente muito menos do que seus 40 anos, Holdsclaw chama atenção. Ela sempre atrai os olhares. Quando faz uma pausa, seja para almoçar, comprar detergente ou colocar gasolina, alguém faz alguma pergunta. Sobre sua altura, sua carreira, quem ela é ou foi ou pode ser.

Eventualmente, inevitavelmente, as pessoas lembram-se dela.

"Nesse fim de semana, um cara me perguntou: 'qual é seu nome?' Eu falei meu nome. E ele disse: 'caramba! Preciso tirar uma foto. Você é demais!' Poucos minutos depois, todo mundo ali sabia meu nome".

Holdsclaw diz que o reconhecimento inoportuno lhe deixa irritada.


"Eu não gosto de ficar exposta".

Mas a exposição faz parte da vida de Holdsclaw desde que ela tinha 12 anos e era a única garota que jogava no time dos meninos. Logo depois, começou sua carreira no basquete. Jogando pela escola Christ the King High, de Nova Iorque, foi escolhida por três vezes uma das melhores atletas amadoras dos EUA. Mais tarde, liderou o Tennessee no tricampeonato da NCAA, tornando-se a principal cestinha e reboteira da escola (masculino e feminino). Virou nome de rua em Knoxville e até a lendária treinadora Pat Summitt chegou a dizer que Holdsclaw era a melhor jogadora que ela já havia visto.

"Todos diziam que ela era a versão feminina de Michael Jordan", lembra a veterana da WNBA Murriel Page, que conheceu uma jovem Holdsclaw, quando ambas jogaram em um evento da USA Basketball. "Naquela época, ela já dominava. Eu pensava: 'uau, essa menina ainda está no colégio?' Ela está acabando com a gente e nós estamos no primeiro ano na faculdade".

A revista Slam colocou Holdsclaw na capa de sua edição de outubro de 1998 (a única atleta mulher a estampar a capa até hoje), com uma camiseta do Knicks. Ela foi a primeira escolhida no draft da WNBA de 1999. Logo assinou com a Nike o que seria o maior contrato de patrocínio da liga de basquete feminino dos Estados Unidos, até então. Nunca uma jogadora estreante tinha despertado tantas expectativas.

"Chamique chegou na liga com um alvo nas costas", lembra Page, que jogou seis anos com Holdsclaw no Washington Mystics e mais dois no Sparks. Em Washington, Holdsclaw ganhou o prêmio de Revelação do ano. Em 2003, sua média era de 20,5 pontos e 10,9 rebotes por partida. Seu estilo de jogo enchia os olhos: muita habilidade combinada com uma execução letal. Page recorda um duelo contra o Houston Comets em que Holdsclaw fingiu um passe, escondendo a bola atrás da cabeça de Cynthia Cooper antes de fazer a cesta. Essas demonstrações de habilidade encantavam a torcida e fizeram rapidamente de Holdsclaw a principal personagem da liga. Seu sorriso aparecia em outdoors e nos ônibus. Ela era tão conhecida quanto os grandes jogadores da NBA.


Ao longo de sua carreira de 11 temporadas em quatro equipes diferentes, Holdsclaw ganhou todos os prêmios possíveis, entre eles, seis indicações para o WNBA All-Star, além de uma medalha de ouro olímpica.

"Naquela época, eu sempre estava buscando alguma coisa", lembra Holdsclaw enquanto toma o café da manhã em um elegante restaurante de Atlanta. "Eu queria ser a primeira pessoa da escola Christ the King a jogar com a Pat Summitt. Queria ser a número 1 no draft da WNBA. Queria ter meu próprio tênis. Sempre quis ser a primeira, primeira, primeira."

Ela se debruça na mesa e abaixa os olhos. "Pergunta pra mim: eu me lembro dessas coisas?"

Ela faz uma pausa, balança a cabeça. "Não".

Holdsclaw relaxa um pouco em sua cadeira, pega o garfo e empurra um pedaço do ovo mole no canto do prato. Ela deixa claro que não é uma figura de linguagem, que ela realmente não se lembra de coisas importantes de sua vida ou de momentos de glória. As falhas de memória são uma consequência da batalha que seu cérebro estava travando consigo mesmo na época, uma luta de uma intensidade tão daninha e extenuante que toda a sua vida se dissolveu diante de seus olhos como se estivesse escrita em uma lousa mágica, perdida para sempre ao menor solavanco.

Isso foi antes que ela descobrisse o que estava acontecendo em sua mente. Quando ela só conseguia fingir que não era nada.

A promessa implícita na excelência é que ser "o melhor" será o bastante. Qualquer vazio existencial poderá ser preenchido com adulação e conquistas. E assim foi para Holdsclaw. Até que em uma tarde sinistra, sete anos depois de se tornar profissional, a melhor jogadora de basquete de todos os tempos tentou se suicidar com uma overdose de pílulas.

 

Pat Summitt, lenda de Vols, com Holdsclaw em 1999
Pat Summitt, lenda de Vols, com Holdsclaw em 1999 Mark Humphrey/AP Photo

 

"MEUS PAIS bebiam muito. Por isso, eu tinha muito tempo livre", conta Holdsclaw sem rodeios sobre sua infância em Jamaica, no Queens, com sua mãe Bonita Clark, uma digitadora que teve Chamique com 18 anos de idade, e seu pai Willie Johnson, um mecânico que tinha 22 quando ela nasceu.

Em casa, a calma se transformava em caos de repente. Por isso, Holdsclaw aprendeu logo a ficar alerta e preparada. Ela pegava dinheiro da bolsa de sua mãe para comprar comida no mercado para ela e seu irmão mais novo, Davon. Às vezes, comprava um brinquedo para fazer surpresa ao irmão. "Chamique fazia o papel de mãe em casa", lembra Bonita, agora vivendo na Carolina do Norte.

Em sua cabeça, Holdsclaw fazia de conta que sua vida era um episódio do programa de Bill Cosby, que seu mundo não era tão diferente daquele da família Huxtable. Era essa a história que ela contava para si mesma. Ela pensava que bastava acreditar nisso para que se transformasse em verdade. Nas noites tranquilas, ela e o pai brincavam de guerra de travesseiro e assistiam aos jogos dos Giants juntos. Willie lhe ensinou a andar de bicicleta e a jogar fliperama.

Holdsclaw tinha 11 anos quando uma decisão judicial decretou que ela e seu irmão Davon teriam que morar com a avó materna, June Holdsclaw, na comunidade de Astoria. A gota d'água aconteceu quando um grupo de vizinhos sentiu cheiro de queimado e chamou a polícia. Eles encontraram Willie inconsciente no colchão, a música alta e a comida esquecida no fogão aceso. A mudança foi desorientadora e deixou a jovem Chamique perturbada. "Eu tinha vergonha, era uma criança revoltada", lembra-se ela. "Meus pais diziam que viriam me visitar. Eu ficava esperando e eles não apareciam".


June colocou um ponto final na liberdade ilimitada de Holdsclaw. Ela se tornou o ponto de equilíbrio que a menina precisava para vencer. "Minha avó dava muito valor à disciplina e à educação. Tudo girava em torno da igreja. Eu tive que me adaptar a isso".

A transição, apesar de estabilizadora, não foi fácil. Holdsclaw quis pintar seu quarto de preto, arrumou brigas com outras crianças. "Eu tinha ataques de raiva, detonava o meu quarto. Eu me isolei".

De frente para a janela de seu quarto, ficava uma quadra de basquete. Quando a igreja não conseguiu dar a sua neta a tranquilidade que June esperava, ela pediu que a menina deixasse a agressividade e a raiva na rua. Holdsclaw fez exatamente isso. A quadra rapidamente se tornou seu refúgio e válvula de escape.

"As outras crianças diziam: "ei, cara, sua mãe está sempre no banco da praça, desmaiada". Mas depois que eu entrava na quadra, elas ficavam quietas". As conversas passaram a ser sobre seu potencial, depois sobre o aproveitamento desse potencial, até pararem completamente.

"A máscara perfeita", diz ela.

Depois do ensino médio, Holdsclaw passou a usar o basquete não só como válvula de escape, mas também como escudo para evitar encarar sua realidade. "O basquete estruturava minha vida", explica ela. "Eu focava nessa tarefa. Não ficava viajando".

 
Holdsclaw escondeu seus problemas psicológicos da maioria das pessoas a sua volta
Holdsclaw escondeu seus problemas psicológicos da maioria das pessoas a sua volta Melissa Golden
 

 

Holdsclaw treinou muito. Seu esforço funcionava como uma espécie de droga, uma maneira de esgotar seu corpo e seu cérebro e deixar as sombras do lado de fora. Jogar também suprimia seus acessos, surtos de euforia exagerada e sentimentos de onipotência que faziam Holdsclaw se sentir invencível. Na faculdade, ela jogava depois de dormir apenas três horas. Ninguém sabia. Ela também não falava nada sobre seu pai.

Durante seu segundo ano na universidade, Holdsclaw recebeu um telefonema da avó June lhe contando que Willie havia sido internado com esquizofrenia. "Eu tinha muita vergonha de perguntar para alguém o que era aquilo", lembra Holdsclaw. "Fui à biblioteca e pesquisei em um livro".

Durante seus anos de universidade, Holdsclaw visitava seu pai sempre que podia. Os dois gostavam de ficar sentados conversando no banco da praça, comiam no Burger King, conversavam sobre futebol. Ela perguntava se o pai precisava de sapatos novos, mas nunca sobre o motivo pelo qual ele estava internado. Ela fazia de conta que não notava seu olhar vazio. A sensação era de que ele estava ali, mas não estava. A alegria de sua juventude tinha sido substituída por uma calma cinzenta.


Depois disso, ela se despedia, voltava para a faculdade e jogava basquete melhor do que qualquer uma.

Holdsclaw sabia como cultivar sua imagem de atleta. Ela sabia que a verdade era uma bagunça, e quando você está sendo preparada para o estrelato, a bagunça precisa ser varrida para debaixo do tapete. "Eu vivia duas vidas", diz ela hoje. Vidas que foram ficando cada vez mais separadas conforme sua carreira avançava.

"Eu sempre achei ela fosse apenas temperamental", diz Page, lembrando-se dos tempos de Holdsclaw na WNBA. "Ela entrava no vestiário um dia, dizendo 'ei, como vocês estão?' E no dia seguinte não falava com ninguém. Eu achava que ela não batia bem".

Page lembra que recebeu um telefonema: "Chamique se trancou em casa, ela não quer sair". E eu fiquei meio assim, "oi?" O quê? Acabei de ver ela, jogamos juntas. O que pode ter acontecido?"

"Quando você entra no mundo do esporte, aprende a importância da imagem", diz Holdsclaw sobre como os atletas talentosos são descobertos jovens, monitorados, monetizados e preparados para lidar com a mídia. "Eu usava essa imagem para me proteger. Não conseguia aceitar que precisava de ajuda. Eu estava só seguindo o fluxo, tentando manter a cabeça no lugar".

Holdsclaw acabaria diagnosticada com depressão e transtorno bipolar. Mas até que o diagnóstico fosse feito, ela sofreu silenciosamente, assumindo o papel de estrela esportiva fabricada, com frases de efeito, narrativa controlada, desempenho, acima de tudo. Quanto maior se tornava, mais ela se escondia em sua própria sombra e menos se revelava.

"Como atleta, a última coisa que você faz é pedir ajuda", explica Page, que acrescenta que, mesmo depois de se tornarem próximas, Holdsclaw nunca falou sobre seu abatimento ou ansiedade. "Foi especialmente difícil para Chamique se abrir com alguém e dizer: "estou sofrendo, não posso aguentar isso". Muitas jogadoras não tinham coragem de dizer nada a ela porque ela era Chamique Holdsclaw."

Em 27 de maio de 2002, a avó June morreu de um ataque cardíaco enquanto dormia. Sua morte desestruturou Holdsclaw. Com a perda de seu ponto de apoio, a depressão se abateu sobre ela como uma neblina, bloqueando toda luz.


À medida que os meses se transformavam em anos e Holdsclaw foi de Washington para Los Angeles em 2005, depois para Atlanta em 2009 e finalmente para San Antonio em 2010, com os jogos da seleção no meio de tudo isso, ela se viu cansada demais para exorcizar os pensamentos cíclicos que davam voltas em sua cabeça. Pela primeira vez, o basquete não era analgésico suficiente.

"O Steve Francis [jogador da NBA] realmente me ligou nessa época", lembra Page sobre a passagem de Holdsclaw pelo Sparks. "Eles tiveram uma conversa e ele achou que havia algo errado. Ele me disse pra ficar de olho nela, não deixá-la sozinha".

"Chamique ficou bem abalada depois que minha mãe morreu", lembra Bonita. "Ela estava sofrendo".

Em 2006, Holdsclaw foi levada de ambulância para o hospital após tomar várias pílulas. Ela sobreviveu e manteve o episódio em segredo quase total.

"A história oficial é que ela estava doente e desidratada", diz Page. O time disse que Holdsclaw havia ficado fora para resolver "problemas familiares".

Meses depois, Page foi uma das poucas amigas com quem Holdsclaw se abriu. "Ela disse que escondeu isso de mim porque não queria me deixar preocupada".

Mesmo depois de tentar o suicídio, Holdsclaw continuou acreditando que devia manter a fachada para não desapontar sua avó, suas companheiras de equipe, seus treinadores e todos que apostaram nela.

"Eu não queria que os outros vissem a minha fraqueza. Por isso, me cobri com essa capa".

Seis anos depois, em 13 de novembro de 2012, a capa caiu para sempre.

 

Holdsclaw compartilha um sorriso com sua avó, June (à esq), e sua mãe, Bonita
Holdsclaw compartilha um sorriso com sua avó, June (à esq), e sua mãe, Bonita Byron Small/Knoxville News-Sentinel/AP P

 

O NOME DELA É Chamique Holdsclaw.

Ela é jogadora de basquete.

E psicologicamente instável.

A polícia foi chamada segundos depois de Holdsclaw quebrar as janelas e disparar uma arma de 9 mm na direção do Range Rover de sua ex-namorada, a então jogadora da WNBA Jennifer Lacy. As notícias se espalharam como brasa. A versão feminina de Michael Jordan estava sendo procurada pela polícia.

Depois de sua prisão, Holdsclaw telefonou para a mãe da cadeia. "Ela dizia, 'mãe, não posso ficar aqui, não posso ficar nesse lugar", lembra Bonita. "Eu respondia: 'Chamique, você precisa orar'. Acho que ela nem sabia o que estava acontecendo, porque estava completamente fora de si".

Quando recorda o incidente, Holdsclaw diz que só se lembra de estar com a arma na mão e sentir como se algo dentro lhe incitasse a liberar a agressividade e puxar o gatilho. Depois, sua mente se apagou e não voltou ao normal até horas mais tarde, quando lhe disseram o que havia feito. (Lacy não quis fazer comentários.)


Solta após pagar uma fiança de US$ 100 mil, Holdsclaw foi para casa com uma tornozeleira, sentindo que tinha jogado a vida toda pela janela. Ela se declarou culpada das duas acusações de tentativa de lesão corporal, uma acusação de dano criminal em primeiro grau, duas acusações de dano criminal em segundo grau e posse de arma de fogo no momento do crime. Ela foi condenada a pagar uma multa de US$ 3 mil e 120 horas de trabalho comunitário.

"As pessoas abandonaram ela depois disso", conta Page. "Chamique realmente sofreu com o fato de que os amigos com os quais costumava conversar todas as semanas não estavam atendendo suas ligações, não queriam ter nada a ver com ela".

"Foi um momento assustador na vida dela", confirma Lakia Reid, uma amiga de Atlanta a quem Holdsclaw procurou logo no dia do tiroteio. "Ela ficou com muito remorso por desapontar as pessoas".

Holdsclaw sentiu que tudo o que havia feito desde a infância para disfarçar e desviar a atenção de seus problemas caiu por terra, para espanto geral. Décadas de respeito e domínio na quadra davam lugar aos insultos mais baixos.

"Ah, ela? Está bem pirada", diz Holdsclaw, contando o que ouviu de colegas e ex-confidentes.

Desta vez, ao invés de tentar colocar o gênio malvado da mídia de volta na garrafa, Holdsclaw decidiu abrir o jogo. Ela falava sobre seus distúrbios psicológicos com qualquer pessoa que perguntasse. "Eu estava cansada de tentar ser algo que não era".

Por mais nobre que fosse essa atitude, ela teve um custo.

Quando você permite que as pessoas enxerguem o seu eu verdadeiro, quando remove sua máscara cuidadosamente trabalhada, perde o controle. Você se torna perigosamente real. As consequências da honestidade radical incluem, mas não se limitam a, escárnio, humilhação, divórcio, perda de emprego, solidão e crise existencial. Os amigos fogem como se você fosse uma versão humana do Titanic.

Holdsclaw viveu quase tudo o que foi descrito acima, com o ônus adicional das manchetes de jornal preparadas para fazê-la parecer totalmente desequilibrada.

Tudo o que aconteceu, passar por isso foi muito duro. Mas também foi a melhor coisa. Porque eu finalmente pude acordar de manhã sem nada para esconder

CHAMIQUE HOLDSCLAW

Em seu momento mais vulnerável, ela resolveu visitar a treinadora Summitt, uma mulher com a qual tinha uma relação quase de mãe e filha. As duas conversaram na casa de Summitt em Knoxville e a técnica foi direto ao assunto.

"Mique, me conta. Você está se cuidando?"

"Estou tentando, treinadora. Mas é complicado".

"Mique, nem todas as pessoas são suas amigas. Você tem que se abrir com pessoas conhecidas, pessoas que conhecem sua personalidade, sabem quem é a Chamique. Eu, por exemplo, conheço você".

Holdsclaw lembrou-se daquele dia horrível, a arma, o descontrole, todas as possibilidades passaram por sua cabeça.

"Mique", Summitt interrompeu gentilmente, mas com firmeza. "Foi só um dia difícil".

Com isso, Holdsclaw tirou de seus ombros o peso de décadas de vergonha.

"Quando cheguei em casa, fiz tudo o que o treinador pediu. Troquei meu número de telefone. Excluí contatos. Bloqueei e-mails. Tive a ajuda que precisava".

Holdsclaw passou a fazer uma terapia cognitivo-comportamental toda semana. Começou a tomar novos medicamentos. Seguiu as recomendações médicas. E reduziu seu círculo de amizade a poucas pessoas.

"Antigamente, eu sempre queria fazer as pessoas se sentirem parte de algo, sabe?" Ela tem dificuldade para terminar, sua voz falha.

"Tudo o que aconteceu, passar por isso foi muito duro. Mas também foi a melhor coisa. Porque eu finalmente pude acordar de manhã sem nada para esconder".

 

Holdsclaw fez sua última temporada na WNBA em 2010, pelo San Antonio.
Holdsclaw fez sua última temporada na WNBA em 2010, pelo San Antonio. Ned Dishman/NBAE/Getty Images

 

"IMAGINE SER UMA das maiores e não poder mais jogar".

Cara Wright olha para Holdsclaw com as sobrancelhas levantadas, enquanto as duas se sentam lado a lado para preparar uma reunião de negócios. Wright, 34 anos, conheceu Holdsclaw em um evento da NBA, em 2011, e hoje elas formam um casal.

Wright gostaria que Holdsclaw voltasse ao esporte que ela ajudou a colocar no mapa. Ela, que também é ex-jogadora do Dayton, lembra quando via Holdsclaw jogar, como as adversárias pareciam correr com os pés amarrados atrás dela. "Até hoje, as pessoas se comparam a ela. Virou uma referência".

"Ela não entende", diz Holdsclaw sobre sua escolha de deixar o basquete para trás e embarcar em sua carreira atual como palestrante e promotora da saúde mental. Ela dá uma palmada na coxa de Wright e se encolhe um pouco no banco. Depois, conta como as pessoas pensam que ela ainda está jogando. Como sua vida nunca foi tão feliz quanto quando parou de jogar.


Holdsclaw não quer lembranças espalhadas pela casa do casal, o basquete era sua profissão, "não minha identidade". Os únicos vestígios de seu passado de fama são alguns álbuns dados como presentes por fãs, enquanto ela ainda estava na universidade. Uma vez por ano, ela vê as lembranças, diz que lhe ajudam a recordar eventos que de outra forma ela esqueceria. Os álbuns também têm imagens de sua avó, duas mulheres comemorando seu sucesso conjunto. Os sonhos já não precisavam mais ser adidos, ou assim parecia na época.

"Meu momento mais feliz? Quando me senti mais segura?" Holdsclaw pensa. "Vivendo com minha avó em um apartamento de três quartos apertados na comunidade, onde o elevador cheirava a xixi".

Ela diz que gostaria de fazer o que Wright sugere, voltar ao esporte de alguma forma, talvez como treinadora ou olheira. Mas isso não é uma possibilidade, por enquanto. Ela se preocupa com as expectativas que viriam se ela voltasse para as quadras, o que pegar em uma bola de basquete poderia custar a ela.

"Me sinto como se estivesse vivendo meu eu autêntico", explica ela sobre sua vida atual. "Eu não preciso me esconder".

Para Holdsclaw, seu caminho atual passa longe da bola, tem mais a ver com a jornada de uma "pessoa que serve". Ela vai tirar alguma coisa boa disso tudo, nem que seja a última coisa que faça. "Não tenho a saúde mental necessária para o esporte", diz ela. Por isso, ela dá palestras para crianças de todas as idades, em todos os estados, contando toda a verdade, sem esconder nada. "Eu me dedico mais a isso do que me dedicava ao basquete".

Holdsclaw faz parte de um grupo de ex-atletas profissionais que dão palestras sobre saúde mental. O grupo inclui Metta World Peace, Delonte West, Royce White e Brandon Marshall. Ela fala de forma transparente sobre seus impulsos suicidas, seus tempos sombrios, sobre o que os outros podem chamar de "fraquezas".

Ela fala e os alunos ficam escutando por horas, depois fazem longas filas para fazer suas perguntas e compartilhar com ela seus medos mais terríveis. Muitas vezes, eles choram, desabam como pinos de boliche.

"Ela expõem sua fragilidade porque sabe, por experiência própria, que qualquer interação pode mudar uma vida", diz Reid.

Holdsclaw também entende como os distúrbios psicológicos assustam as pessoas. A perda de controle, as complexidades da química cerebral, a ideia de que uma pessoa com esse status e porte físico pode ser tão completamente arrasada.


Se até os super-heróis podem falhar, o que será de nós, simples mortais?

Holdsclaw tem cuidado ao explicar isso. Apesar de ter controle sobre sua saúde mental, hoje, o mito de que para consertar o cérebro humano só é necessária uma boa receita e o terapeuta certo a deixa irritada. É uma armadilha na qual ela mesma caiu, com resultados claramente negativos.

"As crianças querem saber como ela superou", diz Wright.

"E eu explico que você nunca supera", afirma Holdsclaw. "Você nunca está curado. Tem dias em que ainda sinto muita dificuldade. Mas estou em paz comigo mesma agora".

Desde que parou de jogar, Holdsclaw se empenhou em seus relacionamentos. "Eu tinha que consertar um monte de coisas", admite ela, com franqueza sobre seu passado. Ela visita o pai na Carolina do Sul, onde ele recebe atenção da família, e pergunta sempre se ele precisa de dinheiro ou roupas, além de levar as comidas favoritas dele. Ela sente falta da figura carismática que ele era quando ela era criança - "ele parecia aquele cantor, o Teddy Pendergrass", se derrete Bonita - mas aceita a situação atual dele.

Holdsclaw reconhece que voltar a ter intimidade com sua mãe "levou tempo". (“É como naquele filme 'Como Se Fosse a Primeira Vez’”, brinca).

Holdsclaw continua magoada e desconfiada, mas diz que sente empatia por sua mãe. Ela percebeu que nossas fraquezas não fazem de nós monstros, mesmo se nos comportarmos monstruosamente quando somos fracos.

"As pessoas me perdoaram", diz ela, encolhendo os ombros. "Não posso mais julgar as pessoas".

Holdsclaw sabe que poderia ter ido por outro caminho se continuasse ignorando seu transtorno bipolar; sabe que os distúrbios psicológicos transformam os grandes em pequenos.

É uma lição que ela aprendeu durante décadas, vendo seu pai sofrer, uma lição reafirmada em 2012, depois que ela encontrou uma ex-promessa da ACC, Schuye LaRue, em uma lanchonete de Washington DC. LaRue pediu um autógrafo a Holdsclaw. Ela demorou para reconhecer a mulher com quem tinha jogado algumas vezes. LaRue estava vivendo na rua há alguns anos, dormindo em parques, diagnosticada com esquizofrenia paranoide. Até aquele momento, Holdsclaw não sabia de nada disso.

"Eu dei a ela um sanduíche e um refrigerante, depois voltei para meu quarto no hotel". Quando Holdsclaw olhou pela janela, viu LaRue dormindo na rua. "Isso mexeu comigo, porque senti que poderia ter sido eu. Ela era tão boa quanto eu".

"Os distúrbios psicológicos são ignorados por atletas e treinadores porque todos nos dizem que somos guerreiros e podemos superar qualquer coisa", alerta Page. "Mas não podemos".

 

Agora, Holdsclaw conta suas experiências de vida para ajudar outras pessoas.
Agora, Holdsclaw conta suas experiências de vida para ajudar outras pessoas. Joe Scarnici/Getty Images for Laureus

 

HOJE, HOLDSCLAW fica atenta. Quando sente o descontrole chegar, se afasta da cena. Enquanto antes costumava treinar arremessos para manter a calma, agora verifica sua medicação e respira profundamente. Na maioria das vezes, vai para casa e se senta na calma. Sem música ou televisão. Ela também relaxa pedalando, passeando entre as colinas, só a estrada aberta diante de si.

Antes de seu aniversário de 40 anos, Holdsclaw viajou sozinha para Cingapura, a viagem de seus sonhos. Ela passou nove dias visitando templos, acordando às 6h30 para meditar.

Até mesmo lá, alguns desconhecidos perguntavam se ela jogava basquete, mas isso já não a incomodava tanto. Ela participou de uma cerimônia de desejos em um dos templos. Até hoje, guarda dobrado em sua carteira o envelope de papel vermelho e dourado em que fez uma lista de seus desejos secretos.

Holdsclaw diz que voltou aos Estados Unidos agradecida pela jornada, pela elevação espiritual, mesmo estando menos ligada às religiões do que antes.

"Eu sabia citar a Bíblia de cor e salteado", brinca ela, atribuindo isso a sua avó, que batizou Holdsclaw na Igreja Luterana quando a menina já tinha 11 ou 12 anos de idade. "O pastor Meyers queimou minha mão com a vela naquele dia", lembra-se ela, rindo enquanto toma um gole de café em uma movimentada cafeteria. "Depois ele fez uma prece sobre minhas mãos, dizendo: "suas mãos são ungidas. Elas vão ser uma benção para você em sua vida.'"

Holdsclaw sorri com os olhos e depois termina o café.

"Quando era a melhor, eu não queria ser", confessa ela ao se levantar, seu corpo atraindo os olhares das pessoas por perto. "Eu não sabia quem eu era naquela época. Agora eu sei".

 

 

*A premiada jornalista Allison Glock escreve há muitos anos para a espnW. Seus textos já apareceram na New Yorker, New York Times, Rolling Stone, Esquire, GQ e muitas outras publicações. Ela escreveu diversos livros, incluindo "Changers", seu último trabalho e quarto livro em sua série YA. Edição de Bianca Daga. O conteúdo original, em inglês, pode ser encontrado em "WHEN THE GAME IS OVER".

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