Ela resistiu a Chernobyl, virou atleta no Brasil, se descobriu ambidestra por acaso e agora vê Olimpíada longe: ‘sem legado’

Bianca Daga, do espnW.com.br

Karina Lakerbai é dez vezes campeã brasileira de esgrima no sabre
Karina Lakerbai é dez vezes campeã brasileira de esgrima no sabre Reprodução/Instagram

Karina Lakerbai foi escolhida para compor a comissão de atletas da Confederação Brasileira de Esgrima no último sábado, quando conquistou, nada menos, que seu décimo título nacional no sabre. Feito raro no esporte, mas ainda mais impressionante quando você conhece os bastidores dessa história. Nascida na Belarus, precisou superar problemas respiratórios e cirurgias para a retirada de calos ósseos. Sequelas que, muito provavelmente, são consequência de Chernobyl, o maior acidente nuclear da história.

A tragédia foi na Ucrânia, em 1986. Dois anos depois e a cerca de 300km dali, na cidade de Mogilev, Valéria Lakerbai, técnica de ginástica artística, e Alkhas Lakerbai, técnico de esgrima, tiveram sua filha. Milhares de pessoas sofreram por estarem expostas à radiação de Chernobyl, e era comum crianças não nascerem totalmente saudáveis. Karina foi diagnosticada com osteocondroma.

Mesmo sendo mulher e não tendo nenhum caso na família, ela foi afetada pela doença, que é considerada hereditária e aparecer três vezes mais em homens. Grosso modo, são pequenos calos ósseos que provocam dor. Tudo leva a crer que ela tenha sofrido uma mutação genética por ter ficado exposta à radiação na infância.

“Não consigo dizer que tem uma relação direta com Chernobyl, mas também não dá para dizer que não. A asma melhorou desde que vim para o Brasil. Então, deve mesmo ser pelo impacto ambiental. Fiz duas cirurgias, aos 14 e 15 anos, para retirar os calos ósseos que me incomodavam. É como funilaria, uma raspagem no osso. Ainda tenho alguns, mas não incomodam”, contou ao espnW.

Para dar à filha a oportunidade de nascer em um ambiente mais saudável e, também, se livrar de um país com economia quebrada e regras extremistas, Valéria aceitou vir para o Brasil quando foi convidada a treinar uma equipe de ginástica artística em São Paulo – ficou sozinha por seis meses e, depois, trouxe os dois.

Karina chegou ao seu novo país aos seis anos de idade. Começou no esporte treinando ginástica com a mãe. Mas logo mudou para o lado do pai. “Eu era pesada em e lesionava muito. Ela mandou eu parar e fiquei frustrada, de mau humor. Aí ela falou ‘vai fazer esgrima com seu pai que pelo menos é de graça’ (risos).”

A atleta é bielorrussa e se naturalizou brasileira em 2006
A atleta é bielorrussa e se naturalizou brasileira em 2006 Carla Scalabrin

E não poderia ter dado mais certo. A bielorrussa começou na esgrima aos 12 anos e chegou a ir para a Rússia e Ucrânia treinar com as seleções nacionais de lá. Aos 15, já tinha índice para defender o Brasil, mas não podia porque só se naturalizou brasileira em 2006. Então passou a disputar o Campeonato Brasileiro e só perdeu um título até hoje, quando ficou com o bronze em 2015.

Karina, no entanto, não conseguiu disputar uma Olimpíada. Em Pequim-2008 e Londres-2012, não conseguiu a vaga. No ano passado, sofreu uma lesão no pé e outra no ombro na véspera dos Jogos do Rio de Janeiro e também ficou fora. “Acho bem difícil eu ir para Tóquio-2020. Não temos mais apoio. O legado olímpico deixado é inexistente. Esporte não é opção para quem precisa viver dele.”

Mas ela conquistou o ouro no Sul-Americano em 2009. E aí também tem história para contar. Destra, sofreu uma lesão grave no ombro direito. Rompeu o tendão, passou por cirurgia, ficou com dificuldades de movimento e levaria um ano para se recuperar. Então, arriscou. Durante a operação, os médicos descobriram que ela era ambidestra. Karina, então, treinou três meses com o braço esquerdo, competiu e venceu, alcançando sua meta de se manter em primeiro no ranking nacional.

“Acho que meus pais tomara a melhor decisão que poderiam. A Belarus é muito extremista, um país violento. O Brasil me abriu um mundo de oportunidades, em que posso fazer escolhas e viver melhor. O grande e único ponto negativo em relação ao que deixamos para trás é a educação. Nisso, a Belarus está anos à frente. Em perceber que educação, aliada ao esporte, é transformadora. Em vez de discutir políticas públicas, discutimos qual partido rouba mais. E essa é uma questão diária e latente para mim.”

Karina é socióloga e trabalha junto a instituições de ensino superior, pensando em projetos sociais. Além das questões sócio-políticas do Brasil, há outra que lhe incomoda: a capa colocada no reator de Chernobyl tem data de validade. “Não tratam como um tema mundial, mas é. A ONU disse que não é com ela, mas se a radiação vazar, vai para a Europa e os alimentos de lá vão vir contaminados para o Brasil.” Problema esse que pode fazê-la cruzar novamente com seu passado.

Comentários

Ela resistiu a Chernobyl, virou atleta no Brasil, se descobriu ambidestra por acaso e agora vê Olimpíada longe: ‘sem legado’

COMENTÁRIOS

Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.