Ex-Flamengo ficou desempregado e virou vendedor de tênis. Hoje, é ídolo na Ásia

Vladimir Bianchini, do ESPN.com.br

Eder jogou no Flamengo em 2008
Eder jogou no Flamengo em 2008 Gazeta Press

Em 2014,  Éder Luiz Lima de Sousa andou por muito tempo com seu carro pelas ruas de Campinas, interior de São Paulo, com o porta-malas lotado de pares de tênis. Não porque estivesse ostentando os salários da época de profissional no Flamengo, mas por pura necessidade. Sob o sol escaldante na hora do almoço, ele oferecia suas mercadorias nas portas das empresas

O meia que apenas seis anos antes tinha jogado um clássico contra o Vasco no Maracanã estava oito meses desempregado, tinha dois filhos pequenos e as dívidas estouravam no cartão de crédito.

"Tinha acabado de voltar dos Emirados Árabes e achei que seria o fim da minha carreira. Não conseguia ver aquela tradicional luz no fim do túnel, e estava perdendo todas as minhas esperanças de vencer no futebol. O medo de um fim precoce me assustava e as coisas apertaram de uma maneira absurda. Tinha que tentar alguma coisa para nos mantermos", disse, ao ESPN.com.br. 


No desespero, Éder tentou tentou levantar algum dinheiro com a ajuda de amigos, que compravam tênis direto da fábrica e revendiam em suas cidades.

"No meu caso, por morar em Campinas, uma cidade grande, não deu certo. Utilizei meu cartão de crédito e pensava que com as vendas pagaria a dívida e ainda conseguiria alguma renda, mas nada disso aconteceu. Estourei o cartão e ainda botei meu cunhado numa "furada", já que para me ajudar ele usou o dele também. Eu saía para vender os tênis, divulgava em redes sociais, grupos de WhatsApp e simplesmente não havia procura alguma", relatou. 

"Alguns até perguntavam e demonstravam interesse, mas comprar que é bom, nada! O pessoal vinha experimentar, me dando esperança que iriam levar, mas no final era sempre a mesma frase “vou ver, depois te dou um toque”. Foi absolutamente desesperador, chorava todas as noites pedindo a Deus por uma nova oportunidade, até porque não era aquilo que eu sabia fazer", contou. 

"Aprendi que não adianta tomarmos decisões precipitadas, pois as consequências podem ser ainda piores. Deve ter uns pares de tênis na casa da minha mãe até hoje (risos)".

O negócio de Éder era o futebol. Desde pequeno ele demonstrava seu talento pelas quadras e campos na cidade de Campinas. Com isso, foi para as categorias de base do Guarani. 

"Ainda me lembro que quando pequeno, num aniversario, pedi a todos os tios e tias que queria ganhar uma bola. No dia então ganhei 15 bolas de futebol, e minha mãe não entendeu nada (risos)", relembrou.

No Bugre, foi companheiro de jogadores que fizeram sucesso como Marcelo Oliveira (Grêmio), Willian Bigode (Palmeiras), e Mariano (Galatasaray). "Fui muito feliz por lá. Tinha muita estrutura e cresci bastante até como ser humano".

  • Sonho realizado no Flamengo

Em 2005, Éder chegou aos profissionais do Guarani e conquistou o acesso para a Série A1 do Paulista em 2007. No ano seguinte, sem muitas chances no time de Campinas, ele se transferiu para o Flamengo. 

"Quando soube que iria para o Flamengo fiquei em choque, já que era um sonho defender um clube grande, e é uma experiência que carrego até hoje comigo. Atuei com atletas fantásticos e aprendi demais com todos eles", rememorou.

Eder durante passagem no Flamengo
Eder durante passagem no Flamengo Gazeta Press

Com apenas 20 anos, ele chegou a um elenco que tinha jogadores de renome Diego Tardelli, Renato Augusto, Léo Moura, Obina e Souza. "Sem dúvida foi um grupo que tive o privilégio de fazer parte e aprender com todos. Um deles, Fábio Luciano, é até hoje um grande amigo, e tornou-se uma referência pra mim, dando-me vários conselhos que ainda utilizo dentro da profissão", afirmou.

"Vivi grandes momentos no Flamengo. Tive um crescimento enorme por estar com tantos jogadores de alto nível enquanto eu era apenas um garoto. Cheguei como uma aposta e consegui mostrar meu futebol. Infelizmente creio que recebi poucas oportunidades devido à boa quantidade de atletas da minha posição que estavam em grande fase naquele momento".

Com apenas seis partidas oficiais pelo Flamengo, ele foi envolvido no meio do ano em uma troca com o Paraná Clube pelo meia Everton, em agosto de 2008.

"No dia em que me chamaram para avisar que seria emprestado foi outro choque. Claro que não queria ir, ninguém quer sair do Flamengo, e eu acreditava que poderia ser melhor utilizado por lá. Porém, quando você é jovem, se incomoda demais pelo fato de não jogar e fui em busca de oportunidades", relatou.

  • Está falando grego?

Após jogar por Paraná e Vila Nova-GO, o meia foi defender o Asteras Tripolis, da Grécia.

"Foi um período fantástico, minha primeira experiência fora do país. Uma aventura e tanto. Saí de um lugar onde a temperatura beirava os 40 graus e cheguei noutro com um frio terrível de cinco graus negativos. Era inverno e ver o campo todo branco coberto por neve foi assustador. Curiosamente acabei me adaptando muito rápido e fui feliz lá", garantiu. 

Apesar disso, ele passou por algumas situações engraçadas pelo fato de não saber falar inglês ou grego. Uma vez, o brasileiro quase apanhou de um jornaleiro após tentar comprar um cartão telefônico para ligar para o Brasil.

"Ele fazia um sinal com a cabeça que eu não entendia e insistia. Saí de lá xingado por ele, e finalmente compreendi que não havia o cartão para ser vendido (risos). Uma artimanha que eu tinha era, quando não entendesse algo, tentar adivinhar o que estavam falando, mas na maioria das vezes dava errado", relatou. 

Só que esse hábito o colocou em ainda mais confusões...

Éder jogou pelo AEK
Éder jogou pelo AEK Getty Images

"Infelizmente me envolvi num pequeno acidente de carro e a motorista do outro carro me perguntava desesperadamente, em grego, de onde eu era. Eu só concordava. Quando um amigo meu chegou que eu compreendi a ira dela. Ao menos dessa vez tudo terminou em paz, mas o perigo estava sempre me rondando (risos)", contou. 

"Num determinado dia um jogador croata foi fazer teste no clube. Após o amistoso ele veio perguntar o que eu tinha achado da atuação dele. Como não entendi corretamente o que ele disse e achei que estava se referindo a qualidade do campo, falei que estava horrível, muito ruim mesmo. Quase apanhei mais uma vez", disse.

Na Grécia, ele ainda jogou pelo tradicional AEK antes de retornar ao Brasil e defender Criciúma, Nacional de Patos-MG e Tombense-MG e Boa Esporte-MG. Em 2013, ele foi para o Shabab Dubai, dos Emirados Árabes Unidos. 

No ano seguinte, voltou ao Brasil e ficou oito meses desempregado antes de voltar ao futebol, na Coreia do Sul. 

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  • Sucesso na Coreia do Sul

Em 2014, Éder teve a chance de jogar na Coreia do Sul, mas por causa do fechamento da janela de transferências ela não se concretizou. O jogador voltou desempregado ao Brasil, mas pouco tempo depois veio um outro convite do Daegu, clube da segunda divisão do país asiático. 

"Fui informado que treinaria de imediato com o grupo, pois como estava parado há um tempo, eles queriam saber das minhas condições. Qual não foi a minha surpresa quando chegando lá dei de cara com uma peneira, com direito a um funcionário do clube perguntando em que posição cada um jogava! Foi muito constrangedor e quase desisti. Até mesmo o uniforme eu tive que comprar por conta própria para poder atuar".

Eder foi campeão pelo Jeonbuk
Eder foi campeão pelo Jeonbuk arquivo pessoal

"Felizmente acabei aprovado e vivi dois anos maravilhosos no Daegu. Em 2015 deixamos o título escapar por um gol de saldo e como o segundo colocado disputava os playoffs para subir, acabamos perdendo e adiando o sonho. Individualmente, porém, foi uma temporada espetacular. No final do ano renovei contrato e na temporada seguinte tivemos a felicidade de alcançar o tão sonhado acesso à elite do futebol sul-coreano".

No começo deste ano, Éder se apresentou ao Daegu para a pré-temporada, mas logo nos primeiros dias ele teve um grande desentendimento com a diretoria por questões contratuais. 

"Pedi a rescisão, acabei indo treinar separado do elenco, mas no final ficou acertada a minha saída e segui minha vida. Nesse momento apareceu a proposta do Jeonbuk, maior equipe do país e que havia sido campeã da Champions da Ásia no ano anterior. Foi um passo muito importante na minha carreira", contou. 

"Fomos campeões nacionais na minha primeira temporada pelo clube. Foi a realização de um sonho. Após quase ter largado o futebol três anos atrás, chegava a um momento dessa dimensão", relatou.

A mudança de equipe fez a carreira do brasileiro chegar a um novo patamar e virar ídolo de um dos clubes mais importantes da Ásia.

"A torcida aqui é completamente diferente. Aí no Brasil eles são mais apaixonados, mais fanáticos, já aqui eles gostam bastante também, mas são bem mais reservados. Você sai na rua e as pessoas têm vergonha de pedir uma foto ou um autógrafo. Os torcedores respeitam demais os jogadores. O que mais me deixa feliz é o carinho das crianças. Eles fazem de tudo pra agradar. Já ganhei bolo, suco, chá, desenhos e ursinhos. Querem agradar de alguma forma e isso acaba sendo uma bonita recompensa pelo nosso trabalho", agradeceu.

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Com a boa fase, o jogador ainda não pensa na aposentadoria tão cedo.

"Tenho planos de permanecer jogando aqui mais alguns anos e até mesmo seguir na Ásia até o fim da minha carreira. O futebol é muito imprevisível, logo procuro viver um ano por vez. Hoje tenho 30 anos, mas ainda tenho muita lenha para queimar. Costumo dizer que minha carreira ainda está no começo, sou um cara que me cuido ao extremo. O Zé Roberto parou só com 43 anos, eu como só tenho 30 ainda estou começando", finalizou.

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