Crônica: A Redenção de Gasly
Poucas coisas emocionam mais do que histórias de superação no esporte. Como já disse neste outro texto aqui do blog, a Fórmula 1 apresenta muito mais do que simplesmente a Mercedes dominando todas as corridas. Se formos assistir apenas pela classificação, é como assistir
a uma planilha de excel sendo preenchida.
Hoje deu pau no sistema e a planilha ficou invertida. O Grande Prêmio da Itália de 2020 é um símbolo de 2020. Na casa da Ferrari, nenhum dos carros vermelhos terminou a prova e nenhum tifoso viu isso acontecer – ainda bem, pensando melhor. Quem acordou 11:30 e ligou a TV viu Lewis Hamilton em último lugar e se perguntou: o que raios aconteceu?
Essa é apenas uma das muitas narrativas bizarras que fizeram do Autódromo de Monza o palco da corrida mais divertida e imprevisível da Fórmula 1 em 2020. Pierre Gasly, que largara em décimo, venceu a prova. Essa linha é simples, curta e não simboliza toda a carga emocional que as imagens do francês abraçando sua equipe demonstram e que me fizeram ficar com os olhos marejados.
A longa jornada até o topo do pódio
Pierre foi do céu ao inferno – e ao inferno de novo – e agora volta aos poucos para o céu. Com a saída de Daniel Ricciardo para a Renault, o francês herdou a vaga de companheiro de equipe de Max Verstappen para 2019 – um dos empregos mais difíceis do mundo, diga-se. Ali, chegara ao céu: depois de anos ralando, depois da passagem pela Toro Rosso (a equipe B da fábrica de energéticos), ele chegara à Red Bull com a missão de pontuar e brilhar. Falhou. Miseravelmente. Gasly ficou na frente de Verstappen em apenas uma qualificação de 2019 e no intervalo de verão da temporada era apenas sexto colocado e tinha menos da metade dos pontos de Max no campeonato.
Aí, foi “rebaixado” para a Toro Rosso no meio do campeonato. Era como se ele tivesse pego a carta “compre quatro cartas” do Uno. Com o problema de que o passo para trás poderia ser definitivo. Gasly foi para o inferno de novo com a morte de seu amigo, Anthoine Hubert, no mesmo final de semana que voltara para a Toro Rosso. Ali, era o inferno ao quadrado.
Mesmo assim, Pierre se superou e marcou pontos naquele Grande Prêmio da Bélgica. Seria o início da jornada que terminou com champagne hoje e que colocou um grande ponto de interrogação na cabeça de Christian Horner, chefe da Red Bull. Gasly ainda teria uma corrida fantástica para terminar o campeonato, em Interlagos, onde largou em sétimo e viu o caos acontecendo à sua frente – Ferraris abandonando e Hamilton chocando-se com Albon. Ao final, segurou o inglês na reta e assegurou o segundo lugar e o pódio.
Aquele era o melhor resultado da Toro Rosso desde 2008, quando Sebastian Vettel vencera na... Itália. Aquele “era o melhor dia da minha vida”, segundo Pierre. Até hoje.
O novo melhor dia da vida de Gasly
Em outra corrida caótica, a Equipe B da Red Bull, agora AlphaTauri, venceu de novo. Resumindo de maneira muito breve, Kevin Magnussen abandonou sua HAAS na porta do pit-lane e a Liberty Media, como vem sendo de praxe, já meteu o safety car na pista. Gasly já tinha feito sua parada e acabou se aproveitando disso, pulando para a terceira posição. Hamilton entrou no box sem que isso fosse permitido – dado que havia Safety Car e o carro de Magnussen estava em setor perigoso – e foi punido com um stop and go (praticamente um assassino de pódios na Fórmula 1 atual).
Para complicar mais a vida do inglês, Charles Leclerc perdeu a traseira na saída da curva parabólica e após destruir a barreira de pneus, foi o gerador de bandeira vermelha. Hamilton cumpriu a punição após a primeira volta da relargada e Gasly ultrapassou Stroll, que relargara em segundo, para nunca mais olhar para trás.
Ou tipo isso, porque Carlos Sainz estava a praticamente um segundo do francês com seis voltas para a bandeira quadriculada. “Eu quero muito essa vitória”, disse Sainz pelo rádio em resposta à instrução da McLaren de “pegar leve”. O espanhol tentou, tentou, abriu asa móvel no final mas a vitória ficou com Gasly pela primeira vez na carreira do francês.
Mais do que os 25 pontos, é a coroação de Pierre Gasly num trabalho que começou de novo há um ano. Após ser rebaixado, perder o amigo e ver sua carreira indo para o buraco, Gasly não desistiu e se reencontrou mentalmente. Esses são os momentos que fazem o esporte ser mais do que resultados, troféus ou qualquer coisa do gênero: são vidas, anos de trabalho, carreiras, tudo.
“Você sabe a ()*%¨$$ que eu fiz?”, perguntou Gasly pelo rádio na volta de desaceleração pelo rádio à equipe. Você mostrou porque a vida precisa de esporte, Pierre. Merci.
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