'Jamais seremos um pedaço de carne': a opinião de Bibiana Bolson sobre a polêmica das musas de Goiás e Vila Nova
A atividade física para elas jamais poderia envolver uma possibilidade de se ferirem. Até era recomendada a prática de exercícios, mas como uma proposta muito clara: preparar para a maternidade. Quando elas (nós mulheres) puderam participar de forma mais “direta” do esporte sensação no Brasil, foi da tribuna, em vestidos e chapéus elegantes, que faziam papel de donzelas ao aplaudirem seus heróis em campo. Até que, novamente, saíram desse ambiente do futebol, esvaziaram as cadeiras dos elegantes clubes. A ascensão do negro e daqueles provenientes de classes mais baixas incomodava a sociedade. Não era mais lugar para mulher!
LUGAR PARA MULHER, está aí uma frase capaz de tirar meu sono, de estragar meu dia e de me arrancar lágrimas. Sinto dizer que esse não é um “privilégio” meu como mulher, nem da jornalista esportiva que, nos últimos anos, fez questão de expor as situações lamentáveis que já passou ou uma exclusividade da mulher independente deste século XXI que rema contra a maré para acreditar na equiparação salarial, na conquista de espaço e igualdade de sermos, fazermos e estarmos onde e como quisermos.
Todas somos impactadas pela expressão “lugar de mulher” e o que ela carrega. Mas a gente persiste. A gente enfrenta. A gente supera. Até nos sentirmos humilhadas, ridicularizadas em rede nacional com perguntas de conotação sexual, com “piadas” de péssimo gosto e expostas a um retorno de um domínio masculino, a um exagerado senso de orgulho da virilidade, do menosprezar a presença feminina no esporte. Sim, expostas ao machismo e ao preconceito, que dessa vez não passaram impunes.
Na última quarta-feira, Karol Barbosa, torcedora do Goiás, participou do programa Os Donos da Bola, da TV Goiânia - afiliada da TV Bandeirantes, e foi constrangida com perguntas inesperadas de duplo sentido e conotação erótica, como “se o seu nutricionista mandar você chupar uma laranja porque faz muito bem para a saúde, você chuparia um saco por dia?” e "para uma musa não sofrer dores localizadas, é importante o médico colocar compressa?".
Revoltado, o clube se manifestou e a TV Goiânia tomou a decisão de tirar o programa do ar.
O fato da semana - destaque negativo num espaço que deveria contar histórias exemplares e inspiradoras - uniu os times rivais Goiás e Vila Nova (a torcedora Karol Rodrigues também havia passado pela mesma situação). Mexeu também com a sociedade, com pessoas que, assim como eu, ficam perplexas com acontecimentos desse tipo. Repudiar é preciso! O resultado foi um pedido de desculpas e um programa que saiu do ar por tempo indeterminado no estado goiano.
Aliás, a nossa reflexão também não deve ter tempo para ser feita. Não apenas pela situação de repúdio a esse conteúdo recente exibido na televisão, que, claramente, vinculou a ideia de que essas mulheres representantes dos clubes na função de musas deveriam ser tratadas como um “pedaço de carne” (me perdoem pela expressão), mas o nosso refletir deve incluir ainda a espetaculização do corpo e da própria presença feminina no esporte feita pela imprensa.
Quantas vezes não vemos imagens, textos, manchetes que se referem às esportivas também com cunho sexual? “As mais belas”, “as musas”, “o corpo escultural”, “fulana arranca suspiros de biquíni”, “a beleza da filha do treinador”, “confira as torcedoras mais lindas”, entre outros.
Essa super exposição na mídia e a conotação sexual ao exaltar os predicados físicos incomodam as atletas. Lembro, aqui, de uma conversa que tive com a ginasta Jade Barbosa da ginástica, triste com fotos recentes publicadas; das entrevistas que já li sobre o tema com outras esportistas que também se incomodavam pela invasão de privacidade em uma simples ida a praia em momento de lazer; das fotos durante a competição enfatizando o corpo.
Me recordo, ainda, do caso que aconteceu em 2015, quando a atleta do salto ornamental Ingrid Oliveira desabafou sobre os comentários e mensagens que recebeu depois de postar uma foto em que usava um maiô. Ingrid chegou a receber proposta para que fizesse parte do catálogo de uma agência de garotas de programa. “Gente, eu trabalho de maiô, não sou uma garota de programa só porque eu treino de maiô. É o meu trabalho. O povo não consegue diferenciar, isso chateia”, disse a brasileira na época.
Não estou dizendo que não devemos mais ter musas de clubes, ensaios sensuais dessas representantes e que não possamos admirar a beleza e a forma física de atletas ou de torcedoras na arquibancada, mas que sim, que façamos reflexões sobre esses conteúdos, sobre a super exposição, sobre a invasão da privacidade, sobre o limite da exploração da imagem e que, principalmente, se respeite quem estiver em foco.
Afinal, a mulher pode ser linda, super atraente, mostrar o corpo, usar o traje que quiser, praticar o esporte que gostar, frequentar o estádio sem que seja (de novo, me desculpem) tratada como um belo pedaço de carne.
'Jamais seremos um pedaço de carne': a opinião de Bibiana Bolson sobre a polêmica das musas de Goiás e Vila Nova
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