Argentina campeã: bastidores de uma Copa América diferente
A expectativa era enorme na recepção do Windsor Brasília, na capital federal, bem próximo à Esplanada dos Ministérios. Crianças e adultos, camisas da Argentina e do Barcelona no corpo e nas mãos, olhavam para o vazio esperando Lionel Messi. Os argentinos chegariam apenas à noite, mas desde a manhã a guarda já estava montada.
À medida que as horas passavam, a ansiedade de todos aumentava, assim como os aparatos de segurança exigidos pela AFA. O desejo de todos se tornou frustração, com pedidos da segurança do hotel para não fotografarem, além de biombos colocados no caminho dos atletas para evitar qualquer contato. Esse foi o padrão das passagens da seleção argentina por Rio de Janeiro, Brasília, Goiânia e Cuiabá durante a Copa América.
A pandemia exige protocolos mais rígidos, mas a maior preocupação sempre foi o camisa 10. Se muitos ali, que eram hóspedes apenas porque sabiam que a Argentina ficaria no hotel, se frustravam, do lado de fora um simples aceno dos jogadores nas chegadas e saídas dos ônibus geravam euforia. Messi foi sempre simpático, assim como Ángel di María. Já Sergio Agüero não se importava tanto assim. Eram os três que mais provocavam gritos e pedidos de um simples olhar.
Essa relação foi uma marca da passagem da seleção argentina pelo Brasil, na vitoriosa campanha da Copa América 2021. Relatos de seguranças contratados pela Conmebol e espalhados pelos hotéis onde os argentinos ficaram, confirmam a simpatia da maioria dos jogadores. No Rio de Janeiro, no hotel da mesma rede na Barra da Tijuca e última hospedagem antes da final, Lionel Messi ficou no décimo andar, quarto 1012, de frente para o mar. Cumprimentava a todos no corredor e chegou a tirar uma foto com um segurança mais ousado, que descumpriu a ordem expressa passada a todos eles de não incomodar qualquer pessoa das delegações.
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Já as atitudes de membros da parte administrativa e de segurança da AFA, totalmente ao contrário dos jogadores, desagradaram muita gente. A reportagem da ESPN ouviu de dois gerentes desses hotéis relatos de antipatia e pedidos exagerados na estadia, principalmente na comparação com as demandas de outras seleções. Os uruguaios, por exemplo, costumavam tirar fotos com todos nas recepções e chegaram a usar as piscinas de onde estavam.
Dia a dia
A pandemia impediu que dezenas de jornalistas, como seria habitual em uma grande cobertura, saíssem da Argentina e viessem para o Brasil. Assim, além da equipe da ESPN Brasil, apenas mais duas emissoras de televisão estavam desde o início da cobertura argentina, ambas de fora, além de um jornal espanhol. Em uma Copa América marcada pela desistência de Argentina e Colômbia em sediá-la, a corrida contra o tempo exigida pela decisão brasileira de trazer a competição para cá teve um preço na organização.
Nos primeiros jogos, os funcionários contratados para trabalhar nos estádios ainda estavam muito confusos quanto às informações. Os jornalistas se acostumaram a perambular de um portão para o outro, sempre com orientações incorretas. As próprias chegadas e partidas da seleção argentina nos hotéis estavam desorganizadas no início, sem qualquer preocupação com os jornalistas que ali estavam para transmitir as imagens para os torcedores. À medida que a competição avançou, tudo melhorou. Os periodistas, por exemplo, ganharam cercadinhos nas portas dos hotéis para não precisarem "brigar" por espaço com os torcedores.
Curioso que, em um torneio que recebeu torcedores apenas na final, muitos deles se tornaram grandes personagens. O principal deles foi Igor Magalhães, um apaixonado por Lionel Messi e que surpreendeu uma TV argentina, que fazia uma entrada ao vivo, com enorme tatuagem do jogador do Barcelona nas costas. A imagem chegou até Messi, que disse desejar conhecê-lo. A assinatura foi o complemento necessário na tattoo.
Isso fez com que os argentinos começassem a se interessar pelo tema "brasileiros torcendo para a Argentina" - que se tornou a principal pauta no Brasil nos últimos dias, enquanto a final da Copa América era tratada como decisão de Copa do Mundo na Argentina. Encontramos o sósia (mais ou menos) do craque em Goiânia, assim como um Lionel Messi Gomes Ciqueira, de apenas três anos. Mais tatuagens e homenagens apareceram e encantavam a imprensa argentina, boquiaberta pela admiração de brasileiros.
Enquanto o pequeno Messi não entendia o que estava acontecendo ali, apenas se divertia com o microfone da ESPN, as incontáveis crianças em todas cidades por onde passou a Argentina, com camisas principalmente do Barça, mas muitas também de Manchester City e Paris Saint-Germain, evidenciavam - para quem ainda não aceita - a presença do futebol europeu entre os fãs brasileiros. Essa é uma realidade pouco debatida entre os clubes nacionais, que perdem espaço nas camadas jovens.
A própria torcida a favor da seleção argentina tem muito a ver, também, com a idolatria por jogadores de clubes europeus. Obviamente não é o único fator, e as questões políticas envolvendo o Brasil atual, o distanciamento dos torcedores da seleção que acontece há anos e as críticas ao estilo de jogo da seleção brasileira e ao técnico Tite fizeram parte do contexto explicado aos argentinos.
Protocolos e pandemia
Foi possível ver, também, como a pandemia é tratada de maneira muito distinta em capitais brasileiras. A Conmebol aplicou seus protocolos e exigiu testes RT-PCR negativos de todos jornalistas. Inicialmente, se acontecesse na Colômbia e na Argentina, a própria competição ofereceria estrutura de testagem a todos. Com a mudança repentina para o Brasil, a entidade decidiu que cada jornalista teria que fazer o teste por conta e subir o resultado no site resultados.copaamerica.com, 48 horas antes de cada partida.
Esse controle foi bem feito. Havia uma equipe, Covid Control, que cuidava apenas disso durante toda Copa América e, caso houvesse algum problema no arquivo, a pessoa precisava apresentar o resultado na porta do estádio para conseguir entrar. A boa organização apresentada nesse controle não foi repetida no acesso dos torcedores no dia da final. A Conmebol lavou as mãos na distribuição das entradas para Argentina x Brasil, no Maracanã, em 10 de julho. Argentinos e brasileiros se aglomeraram no portão 7 do estádio, sem qualquer orientação de pessoas da entidade, seguranças ou stewards. Ninguém se importou com a bagunça que acontecia do lado de fora.
Questionada pela ESPN, a assessoria de imprensa da entidade informou que assim que entravam no estádio, os torcedores ficavam em filas bem organizadas. Além disso, informou que as pessoas sabem que não podem se aglomerar. Todos os torcedores precisavam apresentar teste negativo, além do convite distribuído por AFA e CBF para conseguirem as credenciais.
Um episódio isolado de descontrole do protocolo aconteceu com a seleção argentina em um treino no estádio Ciro Machado, em Brasília, no dia 19 de junho. O motorista do ônibus que levou os jogadores, após o início do treinamento, deixou o local e se dirigiu a uma lanchonete ao lado para beber um cafézinho.
Foi cercado por curiosos e passou a mostrar, no celular, fotos dos jogadores. Sem qualquer constrangimento, tirou a máscara e passou a conversar com todos, alguns sem máscara também. A reportagem da ESPN alertou os seguranças que estavam na porta do estádio, e uma funcionária informou seus superiores sobre o que estava acontecendo. No dia seguinte, véspera da vitória sobre o Paraguai por 1 a 0, a cena se repetiu.
Felizmente, a delegação argentina, diferentemente de outras nesta Copa América, não apresentou casos positivos de coronavírus durante a competição. Justamente por causa da pandemia, a Argentina adotou estratégia pouco usual em grandes torneios. Ao invés de permanecer em território brasileiro, optou por retornar a Buenos Aires nos intervalos maiores entre os jogos e seguir os treinamentos em Ezeiza. Já nos hotéis, reservavam entre três e cinco andares, quartos individuais, e não dividiam o elevador com os hóspedes - neste caso, mais uma vez, postura diferente de jogadores e integrantes da deleção, já que alguns atletas não se preocupavam com essa determinação.
Foi, de maneira geral, uma Copa América fria, que se transformou na última semana. Com as semifinais definidas e a real possibilidade de Argentina e Brasil na final, o próprio interesse das pessoas nas ruas surgiu. No início da Copa América, nos arredores dos estádios, era comum pedestres e motoristas de carro interpelarem a equipe da ESPN sobre qual jogo iria acontecer. Foi também um torneio que rendeu boas lembranças, como por exemplo a passagem de Diego Armando Maradona por Goiânia durante a Copa América de 1989. Isso porque os argentinos, agora em 2021, se hospedaram no mesmo hotel.
A próxima Copa América acontecerá em 2024, caso a Conmebol não crie uma edição extraordinária por qualquer motivo aleatório. Se isso realmente não acontecer, o Equador deve receber a 48a edição do torneio de seleções sul-americanas. Antes disso, no final de 2022, a Copa do Mundo já nos brindará com grandes histórias no campo e também nos bastidores de uma cobertura jornalística.
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