O dia em que Terra parou por Messi
Cinco de agosto de 2021. Se estivéssemos em uma série, teríamos a imagem de Lionel Messi tenso, apreensivo, ao telefone. Na sequência, uma tela preta, com o cronômetro em regressiva, nos conduziria 72 horas antes. Veríamos um sorridente Messi, ao lado de Neymar e amigos, aproveitando as férias em Ibiza. A surpreendente reviravolta, que culminou com o anúncio oficial do Barcelona de que seu melhor jogador em todos os tempos deixaria o clube, pegou o mundo do futebol de surpresa.
Há algumas semanas a notícia sobre o imbróglio garantia: acordo total entre Messi e Barcelona. Josep Maria Bartomeu ja não estava no clube, Joan Laporta sempre garantiu ter excelente relacionamento com Leo, reforços chegaram para garantir um projeto esportivo melhor. Tudo levava a crer em um iminente anúncio de novo contrato para Lionel Messi. Tanto é que, nos últimos dias, Harry Kane, Romelu Lukaku e Jack Grealish dominaram o noticiário de mercado no futebol. Ninguém falava mais em Messi, porque simplesmente parecia não ser assunto.
"Apesar de haver acordo entre Barcelona e Leo Messi e com a clara intenção de ambas partes em assinar um novo contrato no dia de hoje, isso não poderá se formalizar devido a obstácilos econômicos e estrauturais (regra de LaLiga espanhola)". O primeiro parágrafo do comunicado barcelonista já indica o caminho tortuoso que o futebol espanhol seguirá daqui em diante - contando, inclusive, o outro comunicado do dia: o posicionamento contrário do Real Madrid ao acordo de 2,7 bilhões de euros firmado por LaLiga com a CVC Capital Partners.
Quando o Barcelona entrou em campo no dia 16 de maio contra o Celta, com as arquibancadas do Camp Nou vazias, pela penúltima rodada do Campeonato Espanhol, o melancólico fim de temporada já era evidente. Esse foi o último jogo de Messi com a camisa blaugrana. Ele marcou 1 a 0 aos 28 minutos do primeiro tempo e viu a equipe galega virar com dois gols de Santi Mina, um em cada tempo. Na última rodada, contra o Eibar fora de casa, Messi já tinha partido - e, agora sabemos, para nunca mais voltar.
É curioso que, em meio a tudo isso, ele tenha conquistado algo extremamente importante para sua carreira. A esplendorosa Copa América de Messi nos lembrou dos melhores momentos dele com a camisa do Barcelona. Dribles sensacionais, arrancadas impressionantes, protagonismo absoluto em gramados brasileiros com o desfecho vitorioso no Maracanã. Messi deixou sua marca, assim como no gol "Maradoniano" contra o Getafe, na finta desconcertante em Jérôme Boateng, na cabeçada contra o Manchester United ou no primeiro gol como profissional, com assistência de Ronaldinho Gaúcho.
É complicado imaginar o Barcelona sem seu camisa 10. Foram 778 jogos como jogador do Barcelona, 542 vitórias, 142 empates e somente 94 derrotas. Incríveis 672 gols marcados, que o colocam como maior artilheiro em todos os tempos do Barça, assim como recordista em partidas - sem falar nas 266 assistências. Dos 26 Campeonatos Espanhóis conquistados pelo clube, dez foram com Messi em campo; das cinco Champions, apenas uma não teve o argentino no elenco. Se Johan Cruyff é a pessoa mais influente na história culé, não há jogador maior ou melhor do que Lionel Messi.
Não há ruptura possível maior que essa. Com 34 anos completados em junho, Leo ainda é o jogador mais talentoso do mundo. Na temporada passada marcou 38 gols e distribuiu 14 assistências em 46 jogos entre LaLiga, Copa do Rei e Champions League - ganhou várias partidas para o Barcelona. A partir de agora, o contestado Ronald Koeman passará a pensar o Barcelona sem sua referência.
Marc-André Ter Stegen permanecerá responsável por muitos pontos na temporada. Pedri, Sergio Busquetes, Frenkie de Jong também serão extremamente importante. Há dúvidas se a linha de cinco defensores será mantida, mas a variação tática de 4-3-3, 3-4-3, 3-5-2, não será mais pensada em torno de um jogador - no caso, o melhor de todos. Kun Agüero não terá Messi ao lado, mas sim Antoine Griezmann, Memphis Depay, Ansu Fati ou Ousmane Dembélé ao lado - se todos estiverem regularizados.
Será uma temporada de transição, e transições de eras tendem a ser muito complicadas e dolorosas. Ainda mais no cenário de ruptura com LaLiga reforçado com os comunicados do dia. Na prática, o Barcelona não pôde acertar novo contrato com Messi pelo modelo preventivo de Fair Play financeiro da Espanha. Diferentemente do que fazem UEFA e Premier League, por exemplo, cujo modelo pune posteriormente quem não se adequar à própria realidade financeira, LaLiga busca evitar os excessos. Assim, os clubes precisam comprovar receita para o que a liga chama de "limite de custo de plantel esportivo" - por isso as transações de Eric García, Depay, Agüero e Emerson ainda não foram concluídas, efetivamente. A própria LaLiga passará por enorme provação daqui em diante, ainda com o fantasma da Superliga mantido por Real Madrid e Barcelona.
Além de tudo isso, a partir do momento que Messi começar a marcar gols e derubar adversários pelo caminho, seja lá onde estiver, a pressão na Catalunha vai aumentar. Chama atenção, neste momento, não haver a possibilidade de enorme briga pelo livre Messi. Na Itália, a Inter deve perder Lukaku por dificuldades financeiras. Bayern e gastos exorbitantes em reforços não combinam. Entre os ingleses, o Manchester City acaba de gastar 118 milhões de euros em Grealish e estava atrás de Kane. Não necessariamente o destino mais provável, mas talvez aquele com menos barreiras seja o Paris Saint-Germain.
De qualquer modo, o que decidir Lionel Messi pode provocar enorme efeito "cascata" nas transferências globais. Se você tem mais de 100 milhões de euros para tirar um atacante do Tottenham, não vale a pena investir esse dinheiro em salários para o jogador mais talentoso do planeta? Ainda mais se há a possibilidade de reencontro com seu melhor técnico na carreira - foi com Pep Guardiola que Messi mais disputou jogos (219) e mais marcou gols (211) e deu assistências (79). E se alguém duvidar da capacidade de Messi, aos 34 anos, seguir como um ET, vale recordar que ele anotou ao menos 30 gols em cada uma das últimas 13 temporadas.
Ainda é difícil digerir tudo que aconteceu, de maneira tão repentina. Seria lindo vê-lo para toda vida com o uniforme azul-grená do Barça, o que não irá mais acontecer. É triste, também, saber que não haverá uma despedida digna de sua importância, como aconteceu com Andrés Iniesta e Xavi. Bastidores de toda essa história surgirão nos próximos dias e, naturalmente, ouviremos o que têm a dizer Messi e o Barcelona. Fato é que o legado de "La Pulga" para o barcelonismo será eterno, e esse cinco de agosto será lembrado para sempre não como um sonho de sonhador, mas como o dia em que a Terra parou para saber que Messi não seguiria no Barcelona.
O dia em que Terra parou por Messi
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