Contra vontade da mãe e superando o trauma de uma guerra: a incrível história do único inglês que joga na Argentina

Andy Mitten, para o ESPNFC.com*

David Olaoye posa para a foto com o escudo do El Porvenir ao fundo
David Olaoye posa para a foto com o escudo do El Porvenir ao fundo Andy Mitten/ESPN


David Olaoye tinha um sonho.

"Eu queria jogar na Argentina", explica o inglês de 21 anos. "Eu disse a minha mãe e ela não gostou da ideia. Ela me perguntou por que eu queria jogar tão longe. Mas eu amo o futebol argentino, a paixão dos fãs, Messi, a rivalidade do Boca-River, a maneira de jogar futebol. Eu assistia na televisão e pensava ‘Quero estar lá’."

Atuar em um país que não é o seu está longe de ser uma novidade - os melhores jogadores argentinos (brasileiros?) se mudam para a Europa, por exemplo -, mas o que faz Olaoye, que nasceu nos arredores de Londres, é único: ele é o primeiro jogador da Inglaterra a ter um contrato profissional na Argentina.


Dado que os dois países estavam em guerra em 1982 e os sentimentos ainda seguem quentes sobre as Ilhas Malvinas - Falkland Islands para os ingleses -, o país nunca foi uma escolha óbvia para os jogadores da Inglaterra.

Olaoye joga no El Porvenir, que disputa a quarta divisão argentina. Ao chegar ao modesto estádio com capacidade para 12 mil torcedores, me disseram que ele estava no clube. Isso ia de encontro a algo que eu tinha ouvido anteriormente sobre ele: "Ele está sempre sozinho no clube. Ele vive lá. Ele estará lá.”

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À medida que a escuridão caiu, Olaoye sentou-se com seu irmão gêmeo Daniel, jogador profissional na Suécia e também visitante na Argentina. A dupla é educada, amigável e cheia de risadas e sorrisos.

"Nós crescemos em East London como torcedores do Arsenal", disse David, que joga aberto pela esquerda, ao ESPN FC. "Nós jogamos no Junior Hammers, time ligado ao West Ham. Fomos para a academia de David Beckham em Greenwich. Fomos enviados para a nossa escola e jogávamos com meninos dois anos mais velhos do que nós. Não víamos Beckham lá, mas nós víamos seu pai."

Os gêmeos jogaram pelo Elite Pro Sports FC, ao lado de outras promessas de academias profissionais. O Sheffield United mostrou interesse, mas os irmãos Olaoye tiveram que terminar seus exames GCSE (General Certificate of Secondary Education, espécie de qualificação acadêmica em que os alunos, em média de 16 anos, escolhem entre 6 a 8 matérias específicas). Então, um agente grego chamado Kostas Kiassos ofereceu a David uma chance no AO Tympakiou, na Grécia, onde ele atuou por 14 partidas.

"Então eu me mudei para a Eslovênia e joguei na segunda divisão por seis meses", diz Olaoye. "Foi difícil por que acabei me lesionando."

O desejo de jogar na Argentina demorou a se concretizar, e um agente conseguiu um teste no último verão, pagando pelo voo.

A entrada do estádio do El Porvenir, localizado na cidade de Gerli
A entrada do estádio do El Porvenir, localizado na cidade de Gerli Andy Mitten/ESPN


"Depois disso me ofereceram um contrato de dois anos", diz Olaoye. "Houve muito interesse da mídia argentina quando eu cheguei, o que achei estranho, pois era tudo muito novo para mim, mas todos eram amigáveis. Meus companheiros de equipe, a maioria dos quais são mais velhos do que eu e jogaram em muitos clubes, são amigáveis e protetores comigo."

Como seus novos colegas o ajudaram a se estabelecer em sua nova vida?

"Pequenas coisas, como me dizendo para não deixar meu telefone em uma mesa quando eu almoço porque alguém poderia levá-lo", diz Olaoye. "Nenhum deles fala inglês, mas isso significa que meu espanhol precisa melhorar rapidamente e isso tem acontecudo. Eles me fizeram parte da equipe."

Mas enquanto a sua recepção era calorosa, Olaoye aprendeu rapidamente que a questão das Malvinas permanece significativa na Argentina. As bandeiras das ilhas estão em exibição em quase todos os estádios de futebol, e veteranos de guerra são tratados como heróis.

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A Argentina desafiou há muito a soberania das Malvinas, um território britânico ultramarino, e a guerra começou quando a junta militar argentina invadiu as ilhas. A Grã-Bretanha respondeu enviando uma força-tarefa e, após um conflito de quatro meses, recuperou as ilhas.

As relações entre os dois países melhoraram nos 35 anos depois da guerra. No mês passado, um avião da Royal Air Force saiu das Malvinas para ajudar nas buscas por um submarino desaparecido, tornando-se a primeira aeronave militar britânica desde a guerra a pousar na Argentina.

"Realmente, eu não sabia sobre a história da guerra entre os dois países, mas minha mãe sabia", diz Olaoye. "Meus colegas de equipe falaram sobre isso quase que imediatamente. Eles me disseram que era uma questão muito importante na Argentina, não era algo a se brincar. Eu respeito isso."

Um dos mais populares cânticos nos estádios argentinos permanece: “El que no salta es un ingles”. Os torcedores geralmente se levantam e pulam imediatamente. No meio disso, Olaoye descobriu que existem outras razões pelas quais jogar na Argentina não é simples para um inglês.

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"Perdi os 14 primeiros jogos porque esperava que os meus documentos de residência estivessem certos. Mas ia treinar às 8h todos os dias e depois tinha um treinamento pessoal três vezes por semana, que eu pagava por eles. Posso sentir que estou melhorando. Fiz gols em quase todos os amistosos que participei."

O futebol argentino está de férias até janeiro, mas Olaoye, que fez sua estreia de fato no El Porvenir há duas semanas, não vai retornar à Inglaterra para o Natal.

"Vou treinar todos os dias e estar afiado para quando os jogadores voltarem aos treinamentos", diz ele. "Realmente, não sinto muita saudade da Inglaterra, apenas da minha família, mas posso falar com eles todos os dias. Adoro a comida aqui também, as carnes são as melhores que já comi. A única coisa que pedi ao meu irmão foi vaselina, porque minha pele fica seca com o sol daqui."

Quanto ao futuro, quais são os objetivos de Olaoye?

"Quero jogar bem na primeira equipe e ter uma boa temporada. Gostaria de jogar na Europa, mas agora estou feliz na Argentina e quero continuar a me desenvolver aqui."

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*Andy Mitten é reporter freelancer, fundador e editor do United We Stand. Tradução de Ricardo Zanei. O conteúdo original, em inglês, pode ser acessado em “Meet David Olaoye, the first English professional to play in Argentina”.

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