Lágrimas em Roma: o que explica tanta emoção no adeus de De Rossi
.
Para quem não é romano ou romanista talvez não seja tão simples, como foi na despedida de Francesco Totti, entender a quantidade de lágrimas derramadas entre os torcedores durante os longos minutos do vídeo acima, na despedida de Daniele De Rossi da Roma. Motivos, porém, não faltam.
Era março de 2016 quando De Rossi compareceu ao velório de Pietro Lombardi, um antigo e querido roupeiro da seleção italiana que morrera aos 92 anos, e deixou para sempre em seu caixão, como homenagem ao velho colega, a medalha de campeão do mundo que ganhara na Copa de 2006 com a Azzurra.
Dez anos antes, num jogo em que a Roma vencia o Messina por 1 a 0 pelo Campeonato Italiano, De Rossi instintivamente colocou uma bola para dentro das redes com a mão. O gol, porém, não foi validado só porque o próprio jogador confirmou a irregularidade ao árbitro Mauro Bergonzi – que aplaudiu De Rossi e, claro, poupou-lhe do cartão amarelo.
Já em novembro de 2017, quando a Itália empatava por 0 a 0 com a Suécia um jogo em que precisava vencer para ir à Copa do Mundo, o volante não se conformou ao ser chamado no banco de reservas para entrar na partida que já caminhava para sua reta final: “Eu? Por que cazzo eu? Precisamos ganhar, não empatar!”, disse De Rossi, apontando para o atacante Insigne, então o melhor jogador italiano que incompreensivelmente ficara na reserva.
Antes daquela frustrante partida que tirou a Itália da Copa, o hino sueco foi vaiado pela torcida. Após o jogo, De Rossi foi ao ônibus da delegação sueca parabenizar os adversários pelo feito e, sobretudo, desculpar-se pelas vaias. “O ambiente no ônibus foi: ‘Nossa, isso aconteceu mesmo?’. Foi um dos momentos mais legais que vivi no futebol. Que grande figura ele é!”, afirmou o zagueiro Pontus Jansson sobre a atitude do volante.
Os quatro episódios acima são apenas exemplos. Exemplos de sua personalidade, que ajudam a entender por que o anúncio abruto, truncado e inesperado de que Daniele De Rossi deixaria a Roma ao final desta temporada causou a comoção que causou. Sobretudo em Roma, mas não só.
Entre tantas faixas exibidas para protestar pela decisão da diretoria romanista de não renovar o contrato do volante – em Roma, Paris, Nova York, Dublin, Copenhague, Dusseldorf, Tunes e outras cidades –, talvez a mais significativa tenha aparecido em Turim, justamente pelo fato de ter sido confeccionada pelos torcedores da rival Juventus e exibida no estádio da Juve no mesmo dia em que havia uma série de feitos e personagens juventinos a celebrar. Os dizeres: “Ciao De Rossi. Primeiro homem, depois jogador”.
De Rossi não é santo, longe disso, mas foi estigmatizado no Brasil por sua tatuagem que reproduz um carrinho na canela e por certos narradores que o rotulavam como “carniceiro” sem ter a mais vaga ideia sobre seu futebol. Jogador de inúmeras qualidades, técnicas inclusive, ninguém atinge marcas como as suas por acaso. Ninguém se torna o quarto jogador com mais partidas de uma seleção como a Itália (pela qual fez 21 gols) e o segundo com mais atuações pela Roma sem saber jogar futebol.
Entre suas qualidades dentro e fora dos gramados, porém, a principal talvez seja a capacidade de representar em campo, melhor que ninguém, a torcida do clube que ama desde criança e cuja camisa, não por falta de propostas, foi a única que defendeu em seus 18 anos de carreira – e por ele teria sido a única da vida. De Rossi foi não só o capitão de um time, mas de uma torcida – com todo o empenho e benefícios, mas também com todos os exageros e prejuízos que isso significa.
Numa era de jogadores-celebridades tão ou mais preocupados com sua imagem do que com o desempenho em campo, De Rossi é um raro caso de ídolo sem contas em redes sociais. Bastaram seu futebol e suas entrevistas para que o volante demonstrasse sua personalidade e inteligência inquestionáveis.
Como fez, por exemplo, na coletiva em que foi anunciado o rompimento de sua história com a Roma. Ao ouvir dos dirigentes do clube que lhe ofereceram um cargo na direção porque “De Rossi é muito inteligente e capaz, e seria um ótimo dirigente”, o jogador, ainda que sorrindo, rebateu: “Não sei se eu seria tão bom assim, porque se fosse diretor eu renovaria o contrato com um jogador como eu”.
A revolta da torcida pela maneira como o vínculo foi encerrado aumentou quando veio a público um áudio em que o jogador se dispunha a receber apenas por partida disputada. Porque o problema de De Rossi nos últimos tempos era jogar pouco devido a lesões, mas não jogar mal: quando estava em campo era sempre dos melhores do time. E sua atuação nos vestiários, como o próprio afirmou, era apenas “para solucionar problemas, nunca para os criar”.
Criar problemas, de fato, não combina com um jogador que passou quase toda carreira sendo chamado de Capitan Futuro, sempre à sombra de Francesco Totti, o maior ídolo da história da Roma e de quem recebeu enfim a faixa de capitão há apenas dois anos. “A faixa que usei eu recebi das mãos de um irmão, de um grande capitão e do jogador mais incrível que vi vestir esta camisa. Não é para qualquer um jogar 16 anos ao lado do próprio ídolo”, escreveu o volante em sua emocionante carta de despedida.
Na cabeça de De Rossi, seu período de capitania oficial duraria mais algum tempo, até que ele próprio decidisse parar de vez, sem ter que vestir nenhuma outra camisa que não a da Roma: “Eu me imaginava cheio de curativos, manco, e o clube insistindo para que eu continuasse. Não foi bem assim, mas agora não quero mais pensar nisso para não sofrer”.
Feito o desabafo no dia do anúncio, em sua carta de despedida divulgada na véspera de seu último e emocionante jogo, De Rossi tratou de fazer o que sempre fez, de jogar pelo time: agradeceu ao presidente James Pallotta e pediu encarecidamente que os protestos por sua saída cessassem: “Agora, o maior presente que vocês podem me dar é deixar a raiva de lado e, unidos, recomeçar a empurrar a única coisa que amamos, a coisa que vem antes de tudo e todos, a Roma”.
O pedido foi atendido, porque o que prevaleceu entre os 60 mil presentes no Estádio Olímpico nesse domingo, no último e derradeiro jogo de Daniele De Rossi com a camisa da Roma, foram sobretudo aplausos, homenagens, inúmeras faixas e lágrimas. Muitas lágrimas.
Sem De Rossi e Totti, restará à Roma começar uma nova era e tentar conquistar títulos. Meros e improváveis títulos, que jamais terão a mesma importância que Daniele De Rossi e Francesco Totti, suas duas bandeiras eternas.
Siga @gianoddi
No instagram @gianoddi
No Facebook /gianoddi
Fonte: Gian Oddi
Lágrimas em Roma: o que explica tanta emoção no adeus de De Rossi
COMENTÁRIOS
Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.