Terrorismo digital no futebol: temos que reconhecer o estrago que ele faz
.
"Infelizmente existe uma droga na nossa sociedade que se chama redes sociais. É uma droga!" A frase acima foi parte da resposta do técnico palmeirense Abel Ferreira no último sábado, quando perguntado sobre a rescisão de contrato do Palmeiras com o volante Ramires, em comum acordo. A resposta não deixa dúvida em relação à influência do terrorismo virtual na decisão tomada pelo jogador. E ainda que o caso de Ramires tenha chegado a um desfecho inusitado, com o extremo do rompimento de contrato, episódios do gênero vão se tornando cada vez mais comuns no futebol brasileiro.
Nos últimos anos, são incontáveis os casos de jogadores e técnicos de futebol, dirigentes de clubes, jornalistas esportivos e até patrocinadores influenciados por redes sociais na execução de seus trabalhos dentro do esporte. Uma busca rápida no Google aliando o termo “redes sociais” à palavra “futebol” trará como resultado manchetes do tipo:
“São Paulo anula negócio com jogador corintiano que usou ‘bambis’ nas redes. Veron sofre críticas e se afasta das redes sociais. Thiago Neves e Atlético-MG: quando o cancelamento das redes sociais chega ao futebol. Pressão em redes sociais derrubou Rosenberg no Corinthians. Daniel Alves rebate críticas em redes sociais com ironia. Torrent não curte críticas da torcida do Fla e desativa comentários no Instagram. Elenco do Palmeiras se irrita com pressão nas redes sociais. Patrocinador cede a pressão de corintianos, mas impõe condição para mudar logotipo.”
São só alguns exemplos entre centenas que poderiam ser colhidos numa busca mais aprofundada. Nem todos os casos são reflexo de violência virtual, mas a imensa maioria é.
É fácil notar que não há distinção de fama, dinheiro ou qualidade quando tratamos da abordagem aos jogadores: os casos envolvem figuras como o desconhecido Getterson, protagonista da primeira das manchetes citada, até multicampeões consagrados como Ramires e Daniel Alves. Há, dessa forma, quem tem tamanho e poder para reagir, assim como há aqueles que não têm nada a fazer além de assimilar o golpe.
Quando falamos de dirigentes, cujas decisões deveriam obedecer a critérios técnicos e convicções formadas por conhecimento e análises embasadas, não faltam os que sucumbem às pressões digitais para demitir e contratar profissionais de um clube. Alguns chegam até mesmo a vazar intenções para medir a popularidade e aceitação daquela que pode vir ser uma contratação.
Mas há uma categoria ainda mais deplorável de dirigente: aquele que, se criticado, num misto de insegurança, mau-caratismo e incompetência, costuma recorrer às redes sociais no intuito de mobilizar milícias digitais contra jornalistas ou críticos públicos de forma geral.
Já na relação com a imprensa esportiva, o tipo de manifestação que se vê por parte dos torcedores digitais se assemelha muito ao que notamos no jornalismo político: muito fígado, acionado por preferência clubística ou partidária, e pouco cérebro. E no futebol ainda é preciso considerar um agravante na abordagem às mulheres, vítimas de misoginia e machismo no mais alto nível imaginável.
Assim como ocorre com técnicos e jogadores, cada jornalista reage à sua maneira. Há quem, compreensivelmente, prefere abrir mão de ferramentas que lhe seriam úteis em prol da saúde. Há quem busque ignorar, o que nem sempre é possível. E há também quem se alimente da violência das redes para se pautar e produzir. Todos, porém, acabam de alguma forma impactados por essa dinâmica intensa que envolve os mais diversos atores do nosso futebol.
Uma dinâmica geralmente pautada por ignorância e agressividade, mas que em determinados casos serve também para alertar o meio ainda retrógrado e ultrapassado do futebol brasileiro sobre o mundo no qual ele está inserido em 2020: um mundo em que, por exemplo, não é permitido a um clube de futebol contratar um jogador condenado por estupro para ser seu novo ídolo.
O fato é que, para o bem e para o mal, geralmente para o mal, os torcedores digitais estão aí e sua influência não pode mais ser ignorada, sobretudo no que diz respeito aos terroristas virtuais e suas milícias.
Não interessa quantos eles são, se são minoria, se representam ou não o cara na arquibancada, aquele que paga ingresso, que sai de casa, que gasta e se desgasta pelo futebol. Não interessa se o miliciano digital dedica só alguns segundos da sua vida sem propósito para agredir pessoas, entre o efêmero prazer visitando um site pornô e o compartilhamento de uma notícia falsa no Whatsapp. São eles, no futebol, os verdadeiros influenciadores digitais.
E não é por causa da pandemia. A ausência de público nos estádios certamente colaborou para aumentar a relevância dos milicianos digitais, mas eles não surgiram com o vírus. Eles são um outro tipo de vírus. Ou de droga, como diz Abel Ferreira.
Por muito tempo, sob o pretexto do número irrelevante, da pouca representatividade, da falta de “valor científico”, minimizou-se a importância das manifestações por redes sociais no universo real do futebol: “Não dá para levar em consideração torcedor de Twitter, um covarde que fica escondido atrás de uma tela” era o lema de muitos.
Só que o raciocínio não faz mais sentido diante da influência que os terroristas virtuais passaram a ter. O primeiro passo para minimizar sua influência é justamente reconhecê-la.
Siga @gianoddi
No instagram @gianoddi
No Facebook /gianoddi
Fonte: Gian Oddi
Terrorismo digital no futebol: temos que reconhecer o estrago que ele faz
COMENTÁRIOS
Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.