Faixa preta e campeã aos 67 anos: conheça Nair Mota que deu o que falar no Campeonato Brasileiro de Jiu-Jitsu
Sábado, 05 de maio de 2018. Sétimo dia de Campeonato Brasileiro. Meu professor me pediu para tirar uma foto de um atleta da nossa equipe no pódio e eu fui. Depois da foto, uma surpresa: vi duas mulheres faixa marrom no pódio aparentando ser um pouco mais velhas. Lembrei sobre a petição feita pela Karen Peters, que escrevi aqui durante o Panamericano desse ano. Minha primeira reação: tirar uma foto correndo, um pouco sem sucesso.
As duas desceram do pódio. Lá dentro, dois caras com uma camiseta da Gracie Barra vão a sua direção. Um desamarra sua faixa marrom enquanto o outro, pega uma faixa preta na mochila de alguém, vai até a campeã e amarra sua faixa preta na cintura. Ela estava sendo graduada a faixa preta depois de ser campeã brasileira.
Fui atrás para descobrir mais detalhes: ela era máster 7, categoria pesado. Quem estava lá na graduação era seu filho, que também tinha sido campeão brasileiro no mesmo dia. Não podia perder a oportunidade de falar dessa mulher de 67 anos, chamada Nair Mota de Oliveira, que treina na equipe Gracie Barra de Sergipe e cheguei a ela através de seu filho, Danilo Mota de Oliveira.
Danilo de cara me contou que a relação dele com a mãe sempre foi muito próxima, que ambos são formados em Educação Física e que no começo ela era meio contrária a ele treinar.
“Comecei o jiu-jitsu aos 11 anos. Minha mãe não gostava muito, achava violento. Mas acabou indo comigo depois” – contou o filho. E Nair confirmou: “No início eu queria que fizesse judô, não tinha conhecimento nenhum sobre jiu-jitsu e você sabe que antigamente ele era meio discriminado. Mas ele insistiu. Coloquei ele e acompanhei”.
Mais que acompanhar para assistir, Nair decidiu treinar também. “Eu queria saber como era, não sou aquela mãe pegajosa, mas sou vigilante. Acompanhando, o professor dele perguntou porquê eu não treinava e eu achei que não dava para mim. Depois comecei, vi que não era nada do que pensava e hoje estou treinando há 12 anos” – disse a mais nova faixa preta máster 7.
Atualmente, seus treinos se dividem entre jiu-jitsu, muay thai e pasmem: ela ainda corre 2km por dia. Mas afirmou que sua paixão mesmo é o jiu-jitsu.
O Campeonato Brasileiro foi o primeiro que Nair decidiu participar. “As pessoas diziam ‘você é louca?’; mas eu queria participar” – me conta dando muita risada por telefone, e ainda disse que entrou muito tranquila. “Para você ter uma ideia, eu entrei no tatame completamente calma, meu filho estava nervoso. Para mim era como se tivesse entrando numa academia. Acho que muito disso é porque o acompanho em todos os campeonatos. Somos muito unidos. Ele é o meu professor”.
Mas o sentimento de calmaria ao entrar no tatame foi completamente contrário quando viu que receberia sua faixa preta. “Essa foi surpresa. Eu fiquei nervosa quando amarraram a faixa, agora a responsabilidade é maior” – comentou Nair, que está muito decidida a participar de campeonatos daqui para frente, ainda que saiba da dificuldade de encontrar uma adversária em sua categoria.
“É muito difícil encontrar uma adversária, muito difícil” – ressaltou – “eu me inscrevi nessa categoria (pesado) porque não queria seguir uma dieta rígida demais. Antes eu estava uns 2kg abaixo, chegando em São Paulo eu estranhei a comida e bati 7kg a menos na pesagem, acabei emagrecendo, minha adversária era mais pesada que eu”.
Ela contou ter treinado muito para o Brasileiro e por conta disso, entrou completamente tranquila. Mas algo muito mais importante do que ‘apenas’ treinar, ela levou para dentro do tatame sua experiência de vida. “Quando a gente chega nessa idade, já passamos por tantas coisas na vida que é muito difícil algo alterar nosso sistema nervoso. A gente já teve filho, já estudou, as emoções foram muitas. Não tinha motivos para ficar nervosa – fora a faixa, claro” – riu Nair, que eu me recusei de chamar de ‘senhora’.
Sobre a luta, sua adversária acabou sendo desclassificada e, segundo Nair, saiu um pouco triste, mas ela manteve sua pose e foi conversar com ela. “Quando acabou a luta, falei para ela ‘não pense que você é uma perdedora, não. Você é uma vencedora. Nós duas somos vencedoras’ e parece que ela se acalmou” – quer me fazer chorar, Dona Nair?
Depois da graduação dela, muitas páginas compartilharam sua foto e ela não imaginava tamanha repercussão. Com isso, ela aproveitou para jogar uma questão: tem tantos homens mais velhos competindo e alcançando a faixa preta, e por que quando uma mulher alcança nessa idade parece algo muito fora do comum? E então, ela deixou um recado:
“Tomara que essa turma que está começando prossiga mesmo, para quando chegar nos campeonatos, ter gente de 70/80 anos competindo e não ter essa discriminação. Acho que futuramente a gente vai chegar no campeonato e vai ter um caminhão de mulheres. Estamos invadindo.”
Ela, que treina na GB com cerca de 15 mulheres, contou que sempre as puxa e que acredita que a mulher demora para começar, mas que quando faz, é bem feito. E também, disse sempre incentivar as meninas a nunca pararem: “eu sempre falo para elas: ‘minha gente, vamos treinar, não é o corpo que domina a mente, é a mente que domina o corpo’”.
E para finalizar, Nair fez uma declaração ao jiu-jitsu, onde conta que ele é seu maior remédio.
“Eu digo com sinceridade, o jiu-jitsu hoje em dia é meu remédio. Para o corpo, para a alma, para a mente, para tudo. Me desligo completamente quando estou treinando. Me sinto na idade das meninas que treinam comigo. Não me sinto mais velha”.
Qual sua desculpa hoje?
Que a história de Nair inspire a continuar, começar e a nunca parar. É minha contribuição para essa semana maravilhosa das mães.
Faixa preta e campeã aos 67 anos: conheça Nair Mota que deu o que falar no Campeonato Brasileiro de Jiu-Jitsu
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