Neymar conduziu sua saída como se fosse seu pai, um símbolo do futebol atual
Acabou a novela, ainda que faltem detalhes da transação. Neymar pediu, oficialmente, para deixar o Barcelona.
Primeiro, o óbvio: Neymar faz o que bem entender da sua vida e de suas escolhas profissionais. Joga onde bem quiser, ao lado de quem bem entender, recebendo a fortuna que se dispuserem a lhe pagar por seu futebol fora de série.
Seu caso, contudo, é um episódio emblemático dos desejos de uma classe, de um momento, de um esporte.
Deixando de lado sua nova remuneração astronômica (não que ganhasse mal em Barcelona), é interessante analisar a escolha do craque brasileiro pelo aspecto que, nos dias de hoje, parece determinante para guiar as decisões dos maiores nomes do futebol: a individualidade, as conquistas próprias acima das coletivas, a maldita bola de ouro da Fifa.
Nove entre 10 argumentações favoráveis à troca de clube de Neymar citam, literalmente ou quase, termos como “sair da sombra de Messi”, “virar o protagonista” ou, claro, “ser finalmente o melhor do mundo”. Diversas apurações, inclusive a do jornalista Marcelo Bechler, o primeiro a anunciar sua ida ao PSG, colocam tais motivos como importantes na decisão do brasileiro.
Deixemos de lado a discussão sobre a subjetividade e as injustiças do tal prêmio da Fifa, até porque tratar especificamente da honraria em que se vota nos mais famosos não é a intenção aqui.
Você poderá argumentar, com razão, que olhar para o próprio umbigo em detrimento de um senso coletivo é da natureza humana. Sem dúvida, e o mundo corporativo, ao qual muito se recorre para traçar paralelos com o futebol, está aí para comprovar. Quantos são, nas grandes empresas, os que ignoram ou menosprezam os objetivos comuns, metas como finalizar um projeto de sucesso (eventualmente concebido por terceiros), para colher o máximo de louros individuais?
No mundo corporativo, não há dúvida, as coisas funcionam quase sempre assim.
Mas o futebol é diferente, ou pelo menos teria motivos para ser.
Pessoas têm com o futebol uma relação de amor e gratidão que empresas, grandes ou pequenas, raramente conseguem despertar em seus funcionários e clientes ou consumidores. Um time de futebol, porém, não é uma empresa, ainda que possa ser bem gerido como tal.
Diante deste aspecto emocional, que no fim das contas é a força motriz do futebol (porque é o que move os torcedores), este esporte gera, em sua engrenagem, fatos, reações e consequências que um funcionário de uma empresa qualquer, seja ele da graduação que for, não conseguirá jamais reproduzir.
Neymar joga em um clube de tradição e importância consideravelmente maiores que o PSG. Com um bom trabalho coletivo, teria ao seu lado jogadores capazes de formar uma equipe histórica (como fizeram seus antecessores no clube catalão). Aos 25 anos, cinco a menos que Messi, o caminho natural o levaria a ser candidato real à almejada Bola de Ouro jogando ou não ao lado do argentino. No Barcelona. Em um campeonato melhor.
Provavelmente é romantismo, mas a estes fatores acima seria preciso somar um outro que, nos tempos atuais, parece ter peso nulo nas decisões tomadas pela maioria esmagadora dos jogadores: ser amado, idolatrado e retribuir o amor de uma torcida a ponto de tornar-se um mito, uma lenda para um clube de futebol ou uma cidade, não conta mais.
Gerrards, Maldinis, Tottis, Terrys e Zanettis fazem parte do passado.
As ações de Neymar nas semanas que antecederam sua saída demonstraram preocupação nula com o tema: o silêncio, a marra, as notícias sobre seu pedido para que o PSG contratasse um objetivo do Barcelona para sua reposição, a briga no treino com o recém-chegado Semedo... são só alguns dos fatores que fizeram com que, em todas as sondagens realizadas em Barcelona, os torcedores catalães se manifestassem a favor de sua saída. Triste.
Neymar já tem 25 anos e poderia ter demonstrado ao menos alguma preocupação com o tema. Se não com o clube que nele apostou (que está longe de ser um exemplo), com a torcida que o idolatra desde quando tinha 21. No entanto, talvez por falta de personalidade, talvez por fé cega no progenitor, conduziu sua saída como se fosse seu pai, de uma forma parecida com a que conduziu sua saída do Santos.
Resultado: aquele que poderia ser um ídolo eterno tornou-se persona non grata em Barcelona.
De novo: Neymar faz o que bem quiser de sua vida, e o fato de trocar o Barcelona pelo PSG não incomoda. Até porque o peso dos motivos desta escolha só ele conhece bem.
Incomoda, porém, que passemos a tratar como óbvias e indiscutíveis justificativas egocêntricas quando o assunto é futebol.
Neymar conduziu sua saída como se fosse seu pai, um símbolo do futebol atual
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