Um pacato cidadão. Até na prisão
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Ronaldinho Gaúcho é um tipo pacífico. Sempre sorridente, com aquela simpatia meio abobalhada, sua inquestionável preguiça como jogador despertou no máximo lamentações dos apaixonados por futebol. Afinal, que direito ele tinha de nos privar do espetáculo que poderia ter oferecido por tantos anos dentro dos campos?
A semelhança com Neymar, ainda que por motivos diferentes, se encerra nessa privação. Ronaldinho nunca foi raivoso, nunca despertou ódio, nunca correu para o microfone na menor e mais irrelevante oportunidade que tivesse para dar respostas a quem quer que fosse. Até porque nunca pareceu se incomodar com as críticas, justas ou injustas.
Se porventura fosse questionado sobre seu modo de vida, o bon vivant de sorriso fácil respondia com certo desinteresse, uma displicência genuína de quem realmente não se importava, de quem (até então) não estava cometendo crime algum, apenas exercendo seu direito de curtir a vida, ainda que para isso abrisse mão de certa relevância como jogador.
Ronaldinho usou sua absurda qualidade em campo com um só objetivo: criar as condições, financeiras mas não só, para saciar suas metas e desejos pessoais. O jogador Ronaldinho Gaúcho, o Ronaldinho PJ, nunca teve grandes ambições esportivas, nunca foi um obcecado por recordes como Messi e Cristiano, e esteve sempre a serviço de sua pessoa física, Ronaldo de Assis Moreira, e de seu irmão, Roberto de Assis Moreira.
Esse último, nove anos a mais que o craque, assumiu funções paternas em relação ao irmão desde a trágica morte do pai, por afogamento, quando Ronaldinho não tinha completado nem 10 anos de idade. Foi um fato que, além do óbvio trauma do ponto de vista pessoal, condicionou também o destino profissional – para o bem e para o mal – de Ronaldinho.
Há tempos quem segue a história de ambos tem a impressão de que Assis poderia ter feito o que bem quisesse da carreira de Ronaldinho, tamanha a letargia, submissão e falta de personalidade (talvez também de inteligência) do irmão mais novo. Entre as hipóteses acima talvez estivesse, por que não, a de tê-lo feito jogar em alto nível até duas ou três temporadas atrás, quando Ronaldinho tinha 36 anos (só um a mais que Cristiano Ronaldo hoje).
Em 2016, ao entrevistar Assis para o Bola da Vez na ESPN Brasil, deixei a gravação do programa com a sensação de que nunca na história do futebol alguém concedera, de forma tão aberta, declarada e consciente, uma entrevista para falar em nome de outro – um outro tão relevante. Na ocasião, não estávamos entrevistando Assis, mas o Alter ego de Ronaldinho Gaúcho – e todos já sabiam que assim seria, antes mesmo do início da entrevista.
Não se trata aqui de amenizar as responsabilidades de Ronaldinho Gaúcho, um adulto de quase 40 anos, por todos os imbróglios nos quais se envolveu após o fim de sua carreira como jogador. Até porque, ainda durante seu período como atleta, pela maneira como Assis conduziu muitas de suas transferências, Ronaldinho já recebera indicações suficientes de que segui-lo cegamente não fazia sentido.
Mas ele continuou seguindo. E foi após encerrar a carreira que as consequências passaram a ser mais sérias do que a insatisfação de clubes, dirigentes ou torcedores. Ronaldinho virou réu de uma ação civil coletiva por emprestar sua imagem a uma empresa suspeita, foi multado por dano ambiental, teve seu passaporte apreendido, imóveis bloqueados e agora está preso no Paraguai por utilização de passaporte falso. É triste.
Na história do futebol, Ronaldinho marcou seu nome como jogador campeão mundial pela seleção, campeão de Champions e Libertadores, bicampeão espanhol e campeão italiano, um cara eleito duas vezes melhor jogador do mundo no prêmio da Fifa. Não é pouco.
Ronaldinho, contudo, também poderá ser lembrado como um dos melhores exemplos sobre o quanto, no futebol, atingir o auge, e aqui a referência é ao auge pessoal, tem menos a ver com a qualidade, que está ali sempre pronta para ser lapidada e utilizada, e mais a ver com aspectos psicológicos, sociais e comportamentais.
Ronaldinho sempre passou a impressão de que a relevante relação de conquistas acima era pouco para ele. Era algo ainda longe do seu potencial máximo. E hoje, diante de tudo que está vivendo, é difícil não fazer o exercício para tentar imaginar qual teria sido seu tamanho se ele tivesse sido bem assessorado, auxiliado. Se tivesse escutado pessoas indicando outros caminhos que não apenas o do dinheiro – o qual, diga-se, ele receberia sempre, e justamente, de maneira generosa.
Até pela personalidade tranquila, por saber acatar (ou não saber contestar?), por evitar conflitos, talvez Ronaldinho tivesse seguido outros conselhos como seguiu os do irmão. E nesse caso, qual tamanho teria hoje? Onde estaria?
Certamente não seria dando autógrafos, mesmo que sorridente, num presídio paraguaio.
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Fonte: Gian Oddi
Um pacato cidadão. Até na prisão
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