Prêmio da Fifa: quando a diplomacia é um problema
Toda vez que a premiação da Fifa não reflete bem aquilo que ocorreu dentro de campo numa temporada, a gente tende a atribuir o discutível resultado da eleição aos votos vindos de países cuja tradição futebolística é equivalente à importância que o Brasil tem, por exemplo, em Lacrosse.
Geralmente existem votos que corroboram a teoria. Neste ano, o capitão das Ilhas Virgens, Kavon Caesar, talvez vestindo sua camisa do Liverpool, votou em Van Dijk, Mané e Salah como os três melhor do mundo, enquanto o mais aleatório Akram Alhadi, capitão do Sudão, elegeu Mané, Thiago Alcântara e Cristiano Ronaldo.
Dando uma olhada com mais calma na lista de votos, porém, não é difícil constatar que esse não é o problema. Ou, pelo menos, não é o único se esperamos um resultado técnico da eleição.
Basta notar, por exemplo, que os treinadores de Itália, Argentina, Espanha e França, quatro das seleções mais relevantes do futebol mundial, não colocaram o polonês Lewandovski, vencedor do prêmio numa temporada irrepreensível, nem mesmo entre os três melhores do ano. Tivessem partido de Papua-Nova Guiné ou do Butão, seus votos seriam ironizados pela origem geográfica.
Se do ponto de vista técnico é complicado explicar os votos dos treinadores dessas importantes seleções – pelo menos levando em conta os critérios do prêmio –, também não é possível afirmar que suas escolhas foram as que foram porque eles não conhecem ou não acompanham suficientemente futebol.
O principal problema do prêmio da Fifa talvez seja o fato de que três quartos de seu colégio eleitoral, por motivos que me parecem até justos, não têm necessariamente como maior preocupação votar para atingir aquele que é, em teoria, o objetivo do prêmio: escolher os melhores do ano.
Sejamos sinceros. Se você fosse técnico da seleção portuguesa você deixaria de colocar Cristiano Ronaldo em primeiro na sua lista? Se comandasse o Brasil, Neymar não seria o número um? Como técnico do Senegal, aposto que Mané seria seu preferido. E se treinasse a Bélgica escolheria De Bruyne, certo? Como técnico da França, seu voto não seria Mbappè?
A resposta a essas perguntas parece tão óbvia que todos os técnicos das seleções acima votaram nos seus principais jogadores para melhor do mundo. Uma escolha lógica a partir do momento em que o trabalho de um técnico de seleção é, antes de tudo, pensar na sua seleção. E se um voto diferente dos citados acima poderia melindrar uma figura importante de seus times e prejudicar o trabalho em campo, por que votar diferente?
Técnicos de seleções não têm compromisso com uma escolha técnica na hora de votar numa premiação sabendo que suas escolhas serão divulgadas para seus comandados. Eles têm preocupações mais importantes do ponto de vista profissional.
O mesmo vale, ainda que por outros motivos, com os capitães das seleções. Ou será por acaso que Messi, assim como Thiago Silva, votou no amigo Neymar em primeiro? Chiellini votou em Cristiano Ronaldo, o craque do seu time; Hazard e Modric colocaram Sergio Ramos, capitão de ambos no Real Madrid, entre os três. A lista de exemplos é enorme.
Os votos de técnicos e jogadores de futebol, venham eles de onde for, são compreensivelmente baseados em relações profissionais ou pessoais. Ninguém pode culpá-los por isso, mas seus votos são, em boa parte, pura diplomacia. E mesmo quando o critério não é diplomático, se a escolha recair sobre simpatia, antipatia ou qualquer outra razão menos técnica, ninguém o condenará. É o padrão.
Considerando que os votos de técnicos e jogadores formam metade do peso no colégio eleitoral no prêmio da Fifa e ainda se somam a um quarto do peso vindo de votos de torcedores, pela internet, temos três quartos das escolhas partindo de gente que não necessariamente usa o critério técnico (embora possa até fazê-lo) para elaborar suas listas. É muita coisa.
A escolha estritamente técnica, no fim das contas, acaba predominando apenas entre os jornalistas. Os únicos que têm a obrigação profissional com o voto: afinal, para esses, a divulgação de uma escolha esdrúxula significaria perda de credibilidade e respeito, essenciais na profissão.
Não à toa, na eleição deste ano, a vantagem de Lewandovski – o prêmio mais indiscutível para quem seguiu de perto a temporada – foi bem maior entre membros de mídia do que entre jogadores, técnicos ou torcedores. Entre os técnicos, o ainda desconhecido Hans-Dieter Flick, após uma temporada que não poderia ser melhor para o Bayern (mas só após sua chegada), venceu a eleição entre jornalistas, mas perdeu entre jogadores e técnicos.
Tudo isso não significa que o prêmio da Fifa precise mudar seus critérios, alterando o colégio eleitoral ou mesmo o peso dos votos de cada um. Até porque, é importante ressaltar, com a volta da separação entre o prêmio The Best, da Fifa, e o Bola de Ouro, da France Football, voltamos a ter a divisão entre um prêmio mais midiático e um outro mais técnico, teoria já comprovada por diferentes vencedores em edições passadas das duas premiações.
Só é importante, para a história, que a gente saiba fazer essa distinção e entenda exatamente o valor e o significado de cada prêmio.
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