O primeiro título inglês do Tottenham e o West Ham campeão mundial: a estranha história do beisebol na Inglaterra
Quando New York Yankees e Boston Red Sox entrarem em campo neste fim de semana, em uma série de dois jogos no estádio Olímpico de Londres (oficialmente London Stadium, casa do West Ham), estarão escrevendo um novo capítulo na história do beisebol na Inglaterra. Uma história com idas e vindas, mas que ficou décadas em virtual hibernação, dando a falsa sensação de que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Um grande engano.
Um ponto importante é que o beisebol é um esporte de origem britânica. A modalidade como a conhecemos foi criada e formalizada pelo Knickerbocker Club de Nova York, mas a partir do rounders, um dos diversos jogos de bola e bastão que eram disputados nas ilhas britânicas desde o século 16 (sendo o críquete o mais famoso e bem sucedido deles).
O rounders acabou atravessando o Oceano Atlântico e tendo um filho que virou passatempo nacional nos Estados Unidos, mas não prosperou em sua terra. Tanto que o rounders é mais conhecido atualmente como “beisebol britânico” ou “beisebol galês”, pois sua prática se concentra na região de Liverpool e do País de Gales.
O parentesco -- e, claro, a semelhança em diversos pontos -- com o críquete fez do beisebol um jogo muito procurado por ingleses que se mudavam aos Estados Unidos no século 19 e começo do século 20. Um deles, Henry Chadwick, trocou Exeter pelo Brooklyn com a família aos 12 anos.
Nos EUA, ele tornou-se jornalista com especial interesse na cobertura do beisebol. Ele aplicou os princípios já consagrados na cobertura do críquete, sobretudo o uso de estatísticas para registrar o desempenho dos jogadores. Seu trabalho foi importante na disseminação do beisebol profissional nas últimas décadas do século 19, dando origem à cultura de uso de números que até hoje é tão forte em todos os esportes americanos. Não à toa, Chadwick ficou conhecido como “pai do beisebol”.
Na virada do século 19 para o 20, foi a vez de o beisebol voltar a sua origem. Francis Ley, um rico industrial inglês, se apaixonou pelo beisebol em um período em que morou nos Estados Unidos. Ele era um grande entusiasta do críquete, mas viu no beisebol um esporte parecido que era muito mais dinâmico e curto, com potencial de atrair um público que não poderia se dedicar aos jogos de até cinco dias de duração da modalidade britânica.
Em 1890, Ley incentivou a criação de uma liga profissional de beisebol no Reino Unido, a National Baseball League of Great Britain and Ireland. Muitas das equipes eram clubes profissionais de futebol que usaram o beisebol como uma forma de manter seus jogadores em forma -- e de ter uma renda -- durante as férias do Campeonato Inglês. O Aston Villa conquistou o primeiro título.
Ley também apostou em um time próprio. Em Derby, o empresário criou um campo de beisebol para o lazer dos funcionários de sua fábrica. Com o tempo, esse time foi se incrementando, com a contratação de técnicos e até jogadores americanos.
A empreitada não teve sucesso. A equipe despertou interesse e chegou a levar até 5 mil torcedores em alguns jogos, mas era tão boa que massacrava os adversários da liga inglesa, formada ainda em boa parte por jogadores de futebol buscando uma renda extra nas férias. A falta de competitividade levou o resto da liga a contestar os investimentos do Derby, e Ley acabou fechando o time. O Baseball Ground foi vendido ao Derby County Football Club, que mandou seus jogos lá até 1997.
Mesmo depois de a liga perder sua condição profissional, alguns times de futebol seguiram na competição pela ocupação extra que representava a seus jogadores. O Tottenham conquistou seus dois primeiros títulos de campeão inglês no beisebol, em 1906 e 08. Os Spurs só celebraram um campeonato nacional no futebol 43 anos depois, em 1951. O Nottingham Forest também conquistou o Inglesão do beisebol (1900) décadas antes de fazê-lo no futebol (1978).
O último momento de proximidade entre o beisebol e a Inglaterra veio na década de 1930, pelas mãos de John Moores. Como Ley, ele era um empresário que passou um tempo nos Estados Unidos, se apaixonou pelo beisebol e decidiu investir em uma nova liga profissional.
Moores era de Liverpool e conhecia o rounders. Por isso, pagou jogadores de rounders para se adaptarem ao beisebol e formar a North of England League, reunindo equipes da região de Liverpool e do País de Gales. Com o tempo, o campeonato se expandiu para Londres e conheceu sua grande potência, o West Ham.
Os Hammers dominaram o beisebol inglês na segunda metade da década de 1930. Sua grande estrela era o canadense Roland Gladu, apelidado de Babe Ruth do Canadá e que depois jogou no Boston Braves (atual Atlanta Braves). A torcida abraçou o time, que levava até 10 mil torcedores ao estádio com alguma frequência.
O sucesso foi tamanho que incentivou a realização de uma série de jogos entre os West Ham, representando o Reino Unido, contra a seleção americana amadora, campeã olímpica -- como esporte de demonstração -- de 1936. Os Estados Unidos eram largamente favoritos, mas os britânicos venceram quatro dos cinco confrontos e foram proclamados primeiros campeões do Mundial de Beisebol. O torneio cresceu e foi disputado até 2011 e nunca mais teve um título britânico.
A liga de Moores tinha potencial, mas teve de ser interrompida por causa da Segunda Guerra Mundial. Vários jogadores foram convocados pelo Exército e, quando os conflitos terminaram, acabaram seguindo caminhos diversos. O próprio empresário preferiu se dedicar a outros investimentos e a liga de beisebol acabou.
Desde então, o beisebol se tornou um esporte de nicho, praticado por aficionados ingleses e alguns expatriados norte-americanos. Ainda assim, houve um crescimento na última década, com o aumento da cultura dos esportes americanos nas Ilhas Britânicas. E é esse público que chamou a atenção da MLB quando decidiu realizar seus primeiros jogos de temporada regular na Europa. E já levando seu clássico mais midiático justamente para o novo estádio do West Ham, clube que foi símbolo do maior momento do beisebol na Inglaterra.
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