Após tratamento hormonal, atleta trans compete jiu-jitsu pela primeira vez na categoria masculina
Copa do Mundo a parte: julho é o mês do Orgulho LGBT. No esporte, temos muitas controvérsias em relação ao alto rendimento versus LGBT. Muitas discussões, infelizmente, giram em torno de aparência física e preconceito. Mas outras tantas, partem para o lado hormonal e bate na tecla de injustiça.
Falar sobre transgêneros no esporte é sempre uma grande polêmica, como foi o caso de Tiffany, mulher trans jogadora de vôlei que, quando passou a competir no feminino, gerou discussões por conta da desvantagem que outras mulheres podiam ter em relação a ela.
Mas seja lá o que for, algo muito importante a ser levado em consideração: o que mais importa é como a pessoa se sente e se identifica perante a ela e a sociedade. Entendo que seja muito difícil compreender algumas situações a quais não fazemos parte, como é para mim, uma mulher cis. Tenho opiniões, não tenho profundo conhecimento sobre o assunto e, de fato, não vivo isso. Por isso é muito importante conhecermos histórias e, antes de tomar algum partido, estudar muito sobre o assunto.
Para que fique bem claro: uma pessoa trans é alguém que não se identifica com o sexo que lhe foi atribuído no nascimento. É como nascer homem e, ainda que se tenha um pênis, sentir-se como mulher.
Mas vamos ao que interessa que é o Pedro Petry. Ele é faixa marrom de jiu-jitsu da equipe Checkmat. Pedro é um homem trans.
Ele começou a treinar jiu-jitsu com 11 anos, embora sua vontade fosse treinar muay thai. “Minha mãe achava muito violento e me colocou no jiu-jitsu porque não tinha socos e nem chutes” – lembra Pedro. Ele, que matava aula no colégio para treinar, acreditava que fazer alguma arte marcial o deixaria com ‘cara de luta’ e por isso gostava. Seis anos parado por ter bombado no colégio e ficado de castigo do jiu-jitsu, ele voltou mais tarde pela necessidade de praticar algum exercício físico contra a obesidade.
Seu primeiro contato com competição foi por acaso e, sem pretensão alguma e ele ganhou peso e absoluto. E desde então, ele nunca mais parou.
No final de 2016, Pedro tomou a decisão de fazer tratamento hormonal. Ele sempre competiu na categoria feminina, mas nunca se identificou com o gênero. Perguntei a ele como se sentia durante a vida em relação a isso, e ele me contou.
‘Desde que me lembro, nunca me senti pertencer ao sexo feminino. Eu escondia roupas para a minha mãe não me vestir, sujava as minhas roupas de propósito para usar as dos meus primos. Com sete anos chamei minha mãe para conversar e disse que ela tinha me feito errado. Ela nem entendeu muito bem e disse que eu não precisava ser menino para brincar de bola, por exemplo. Nem passava pela cabeça dela uma parada dessas de tratamento hormonal e tal, nem eu sabia. ’ – Ele relembra, e também assume que descobriu muito tempo depois sobre existir um tratamento no país – ‘só fui descobrir em 2014 que existia um tratamento no Brasil e a primeira coisa que fiz foi contar para a minha namorada da época e também para a minha mãe’.
Pedro contou que o peso maior para ele era não saber qual seria a reação das pessoas à sua volta quando começasse o tratamento, principalmente pelo fato do jiu-jitsu ser um esporte muito machista. Ficou um tanto preocupado com a reação das pessoas que treinavam com ele, seus professores e acabou vivendo tudo isso sozinho.
Morando e treinando em Curitiba e decidido a contar às pessoas, ele já tinha o plano de abandonar o esporte e voltar para sua cidade, Maringá. Mas a reação das pessoas foi completamente diferente do que ele imaginou.
‘Tomei a decisão de voltar para a minha cidade, porque achei que não iam aceitar. Eu decidi pesar e fazer o tratamento porque primeiro eu precisava ter amor próprio e pensar na minha qualidade de vida, independente de qualquer coisa. Eu estava decidido que não devia ficar num ambiente que não me fosse positivo e nem me puxasse para trás. Bolei todo um plano de falar e vazar, só que quando eu falei, já tendo um emprego na minha cidade e a passagem comprada, todo mundo me apoiou muito e ficou feliz por mim'.
De fato ele se mudou, mas já está preparado para voltar a Curitiba.
Algo que achei muito nobre da parte de Pedro foi que ao optar pelo início do tratamento hormonal, ele parou de competir. Tendo em vista que o jiu-jitsu não tem nenhum tipo de teste de doping (salvo para os campeões mundiais nas faixas pretas), a decisão foi tomada apenas por ele e não por algum tipo de força maior. Ele conta o motivo: “Primeiro que não era justo nem com outros nem comigo mesmo. Inicialmente comigo mesmo. E por outro lado, ninguém queria saber se eu fazia algum tratamento ou não, minha aparência e postura masculina já era motivo de falarem algumas coisas e eu não achava justo”.
Pedro competiu pela primeira vez um campeonato na categoria masculina no Brasileiro, ainda nesse ano. Ele conta que teve algumas dificuldades. Entre elas, ressalta que a categoria masculina tem muito mais lutas, já que a feminina sempre tem um número inferior de inscritos. Outra diferença grande não foi a força física, ao contrário do que estamos condicionados a pensar e sim, a estratégia de luta. E seu desafio maior foi perder peso.
“Eu precisava bater 64kg e estava com 72kg, era uma categoria totalmente nova. Esse foi meu primeiro desafio. O segundo foi o tempo de luta. Eu nunca tinha competido de faixa marrom e são oito minutos de luta. A categoria também foi um desafio” – disse Pedro.
Sua experiência no campeonato foi positiva: ele venceu sua primeira luta e, embora tenha ficado longe do pódio, sua conquista foi muito maior do que isso.
Ele também assumiu estar muito feliz por ter visto pessoas torcendo por ele. ‘Foi um sentimento novo. Ganhar uma luta pode não dizer nada, né, mas para mim valeu muito essa sensação de ganhar uma luta na categoria a qual eu realmente pertenço. Foi indescritível, nunca senti nada dessa forma’ – comemorou o atleta.
Ele conseguiu se mudar seu registro na federação depois de ter conseguido regularizar seus documentos nos órgãos públicos. Aproveitando, Pedro elogiou muito a postura da federação. ‘Uma hora ou outra iam ter que mudar, né. Mas o pessoal da federação foi muito bacana, me ajudaram a agilizar as coisas e eu me senti acolhido, incluído. Não tentaram me excluir ou me deixar de lado’ – disse o faixa marrom.
Recebendo apoio de todos os lados, Pedro também contou que seu patrocinador facilitou muito para as coisas continuarem acontecendo. “Eu tinha patrocínio da Koral, meu contrato já tinha vencido e eles quiseram renovar. Durante a minha transição eu não conseguia pensar em tudo, era muita coisa e então eu nem falei nada de renovar, eles mesmos que falaram que tinham interesse e eu achei isso muito bom” – destacou.
A história do Pedro sempre me chamou atenção porque, embora ele seja uma pessoa reservada – tanto que durante a transição, me contou que ficou cerca de três meses afastado até que conseguisse mudar documentos, nomes nas redes sociais e etc – eu sempre o admirei pela sua coragem de assumir para o mundo como ele se sentia internamente dentro do esporte, em especial o jiu-jitsu, que infelizmente vemos casos recorrentes de machismo.
Que tudo isso sirva de inspiração a você que tem algum receio quanto ao seu gênero, a você que pensa em desistir e também, a comunidade do jiu-jitsu, porque Pedro é uma prova de que gênero, para os outros, é só um detalhe, mas para quem sente e vive isso, é primordial e ninguém tem o direito de tirar o direito de outra pessoa de ser feliz :)
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Fonte: Mayara Munhos
Após tratamento hormonal, atleta trans compete jiu-jitsu pela primeira vez na categoria masculina
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