Como é gerir um time nos Estados Unidos longe da Major League Soccer?
A estrutura de futebol nos Estados Unidos é mais complexa do que parece. A Major League Soccer é o principal campeonato e, quanto a isso, não há qualquer dúvida. A liga cresce a cada temporada, se internacionaliza e aumentou o nível técnico consideravelmente na última década. A MLS, porém, não é a única liga profissional da modalidade no país.
Por não haver sistema de acesso e descenso, é difícil para o fã de futebol pelo mundo compreender os níveis existentes na pirâmide do soccer. Além da MLS, há pelo menos mais três entidades que organizam seus campeonatos e são consideradas "oficiais" pela United States Soccer Federation (USSF). A principal delas é a United Soccer League, detentora da USL Championship que, na estrutura norte-americana, tem o status de segunda divisão.
Abaixo dela, a própria USL tem mais campeonatos, assim como as outras duas entidades, National Independent Soccer Association (NISA) e National Premier Soccer League (NPSL). Esse emaranhado de ligas reúne centenas de times profissionais, semi-profissionais e amadores, milhares de atletas entre homens, mulheres e crianças, espalhados pelos Estados Unidos e pelo Canadá. Há muito dinheiro investido em cada um desses níveis.
Para o público brasileiro, o Orlando City, na MLS, sempre foi uma atração. Fundado pelo empresário Flávio Augusto Silva, em 2013, a equipe contratou Kaká como primeira estrela, tem uma estrutura interna gerida por muitos brasileiros e nesta temporada, finalmente, começa a alcançar grandes resultados em campo. A franquia, no entanto, não é a única gerida por um brasileiro no soccer.
Realidade longe da MLS
Renato Valentim deixou o Brasil e se mudou para Boston em 1998. Saiu de sua cidade, Manhuaçu, no interior de Minas, com o objetivo de aprender inglês e juntar dinheiro para retornar no futuro em uma situação melhor. A vida norte-americana começou com empregos em restaurantes, como acontece com milhões de imigrantes do mundo inteiro.
Os anos se passaram e a vontade de permanecer nos EUA foi mais forte, principalmente pelas chances que apareciam. Renato conseguiu cursar administração e culinária enquanto trabalhava como lavador de pratos. Tornou-se gerente e deixou o emprego para, ao lado do ex-patrão, fundar seu próprio restaurante. Passou também a investir no mercado imobiliário e hoje, aos 49 anos, possui uma rede famosa de restaurantes na cidade, a Tavern in the Square, com 12 unidades, fundada em 2004, e mais de 1200 funcionários.
A transição empresarial para o soccer foi natural, pela paixão, mas contou também com o apoio de um personagem marcante dos anos 1990 no futebol brasileiro. Palhinha, tricampeão da Libertadores e bi mundial, esteve envolvido na criação e desenvolvimento do Boston City Football Club, ao lado de Valentim, desde a fundação em 1o de abril de 2015.
A região de Boston contempla franquias que estão entre as maiores nas ligas profissionais dos Estados Unidos, como Boston Celtics (NBA), Boston Red Sox (MLB), Boston Bruins (NHL) e New England Patriots (NFL). Há também um representante da região na MLS, o New England Revolution, que pertence ao Kraft Group, também dono dos Patriots. O Gillete Stadium, casa das equipes de futebol e futebol americano, fica em Foxborough, distante uma hora de Boston.
"Não havia acesso ao futebol de alto rendimento na área de Boston, então comecei a planejar a criação do time. Foi quando conheci o Palhinha, que estava trabalhando na ideia do Corinthians USA na Califórnia. Ele veio até Boston para visitar o irmão, o conheci, apresentei o projeto e demos o pontapé no início do clube. Ele ajudou demais no nosso crescimento", conta Renato Valentim. Palhinha permaneceu por quatro anos como sócio do Boston City e no ano passado deixou o projeto, para outra oportunidade profissional em Portugal.
Neste ano, o Boston City disputaria sua quinta temporada na NPSL, que acabou cancelada devido à pandemia de coronavírus. "Fui um dos primeiros a fazer o lobby para cancelar a temporada. Estamos totalmente parados. Aqui nos Estados Unidos dispensamos todos os funcionários, a lei trabalhista é diferente do Brasil, mais tranquila nesse sentido. Paramos tudo, estamos apenas com o escritório funcionando, para movimentar as redes sociais também", explica o empresário brasileiro.
Bem diferente da MLS, a realidade na NPSL envolve amadorimo e estrutura insuficiente em diversos momentos. "Desde quando fundamos o clube, por ter o Palhinha por trás do futebol, sempre administramos como um clube 100% profissional. Situação muito diferente de alguns clubes que enfrentamos aqui. Times com atletas do college, campos complicados, temos que reclamar na liga porque não oferecem boas condições para o jogo... No último campeonato aqui tínhamos atletas de oito países diferentes no nosso elenco. Boston, por possuir muitas faculdades, reúne muitos jogadores que vêm aqui para estudar, inclusive alguns que atuavam em segundas divisões da Europa. Abandonam o futebol lá e vêm para os Estados Unidos estudar", afirma Valentim. O Boston City já alcançou as semifinais da competição, mas jamais chegou à decisão.
Próximos passos
O objetivo a curto e médio prazo do clube é conseguir a "promoção" para a USL Championship. Nos últimos dois anos o Boston City negocia com a liga esse acesso, que exige maior investimento em infra-estrutura própria. Por conta da pandemia, as conversas foram paralisadas, mas havia um acordo inicial para inclusão do time na temporada 2021 da USL Championship. Enquanto isso não acontece, Renato Valentim tem investido também em sua cidade.
Desde 2 de janeiro de 2018 existe o Boston City Futebol Clube Brasil, ainda na terceira divisão mineira. No ano passado, o clube caiu nas quartas de final da competição, mas o foco do investimento tem sido na estrutura e na base. Já no primeiro ano, a equipe sub-15 foi campeã da segunda divisão mineira e, junto com ela, o sub-17 e o sub-20 também conseguiram o acesso à elite. "Trabalho muito com planejamento. Quando fundamos o clube, nossa intenção era expandir para outros países. É uma marca forte, uma cidade que o mundo inteiro conhece. O objetivo inicial era a América do Sul, pela matéria prima abundante", garante Valentim, cujo grande objetivo por aqui é estar entre as referências na formação de atletas.
Antes de definir por Manhuaçu, cidade de 90 mil habitantes e distante 280 km de Belo Horizonte, no caminho para Vitória, houve conversas com outros municípios mineiros, além de alguns paulistas e capixabas. Em território brasileiro, Renato Valentim passou a enfrentar situações que não existem no futebol norte-americano. Como, por exemplo, a necessária relação com empresários de jogadores para montar um time. "Muitos empresários não têm condições de gerir a carreira de atletas. Temos muitas dificuldades nessas situações, porque nós precisamos dele, um clube não sobrevive sem essa parceria com os agentes, mas infelizmente, como em todas profissões, existem pessoas que não são profissionais".
Em agosto, o Boston City iniciou as obras de um novo complexo esportivo em Manhuaçu, que vai contar com "estádio/arena multiuso, toda a tecnologia necessária para transmissões televisas dos mais altos níveis de exigência, academia com tecnologia importada, dois campos para treinamento, espaço de lazer, hotéis e alojamento para 120 atletas", segundo o site oficial do clube. Para se manter em atividade, também fechou parceria com o Olimpia para disputar a série A3 do Campeonato Paulista.
A longo prazo, o objetivo é ter o Boston City Brasil nas divisões nacionais do futebol brasileiro com o elenco profissional e a base como um grande centro de formação de talentos. Projeto audacioso.
Fonte: Gustavo Hofman
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