O exemplo armênio da globalização do futebol
Henrikh Mkhitaryan é um bom exemplo da globalização do futebol. Jogador armênio, com passagem na base do futebol brasileiro pelo São Paulo, destacou-se na Ucrânia pelo Shakhtar Donetsk, ganhou fama internacional no Borussia Dortmund, jogou a Premier League por Manchester United e Arsenal, atualmente vive e joga em Roma. Sem dúvida alguma, é o jogador nascido na Armênia mais famoso da atualidade e, provavelmente, em toda história pela carreira construída.
Poucos dias antes de se apresentar à seleção neste mês para o início das eliminatórias europeias para a Copa do Mundo, Mkhitaryan sofreu uma lesão muscular. Terrível notícia para uma equipe que jamais disputou uma competição internacional importante e que, na prática, tem história curta ainda - o futebol armênio passou a se organizar de maneira independente somente a partir de 1992, com a dissolução da União Soviética. O sorteio colocou os armênios no grupo J, no qual o favoritismo pertence à Alemanha e há muito equilíbrio entre as demais equipes.
Na estreia, no último dia 25, vitória magra fora de casa sobre Liechtenstein por 1 a 0, graças a um gol contra aos 42 minutos do segundo tempo. Três dias depois, na capital Yerevan, 2 a 0 sobre a Islândia, participante da última Euro. Nessa quarta (31), fechando a data Fifa, triunfo emocionante por 3 a 2 contra a Romênia, com os gols da virada marcados aos 41 (impedido, é verdade) e 44 (pênalti) da etapa final. Nove pontos em três jogos e liderança surpreendente na chave, graças também à outra surpresa: derrota alemã para a Macedônia do Norte. Tudo isso alcançado sem seu melhor jogador, que já disputou 88 jogos com a seleção e marcou 30 gols.
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Resultado da globalização
A globalização do futebol tem permitido a evolução de nações periféricas no mundo da bola. Luxemburgo, por exemplo, outra surpresa deste início de eliminatórias - 1 a 0 sobre a Irlanda e derrota cara por 3 a 1 contra Portugal - possui atletas de relevância em nível intermediário europeu. O atacante Gerson Rodrigues defende o Dínamo de Kiev (Ucrânia), Christopher Martins atua no Young Boys (Suíça), o jovem Leandro Barreiro está na Bundesliga, em que joga pelo Mainz, e o zagueiro Maxime Chanot veste a camisa do New York City na Major League Soccer.
A internacionalização de atletas desses países permite às respectivas seleções maior aproveitamento da experiência deles em centros desenvolvidos de futebol. Algo que não aconteceria se permanecessem jogando em Luxemburgo ou na Armênia, por exemplo. Isso agrega ao time nível de competitividade que jamais alcançaria apenas com atletas locais.
Em 5 de outubro de 2019, Sargis Adamyan colocou seu nome na história do Hoffenheim. Ele marcou os dois gols na vitória sobre o Bayern por 2 a 1, pela Bundesliga, em plena Allianz Arena. Foi a primeira vez que o Hoffenheim bateu o gigante da Baviera em seu campo. Ele foi titular nas duas primeiras partidas da Armênia e entrou no intervalo da terceira. Não marcou, mas traz para o grupo de jogadores a experiência de estar entre os melhores do continente semanalmente.
O companheiro de ataque de Adamyan nas duas vitórias iniciais foi Norberto Alejandro Briasco Balekian - substituído por ele na terceira. O nome latino indica a origem de nascimento do jogador de 25 anos, natural de Buenos Aires e revelado pelo Huracán. Em 2018, foi recrutado pela seleção armênia pela ascendência por parte da mãe. Os dois, além de Mkhitaryan e poucos outros que jogam em ligas mais fortes, formam parte importante do elenco que traz ao grupo qualidade técnica e mentalidade competitiva diferentes. Dos 32 convocados, 19 atuam no Campeonato Armênio, onde a estrutura é absolutamente limitada, e outros seis jogam na Rússia ou no Cazaquistão, espectro soviético.
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Experiente espanhol comanda a Armênia
À frente de todos está um personagem extremamente importante em toda essa história. Desde março do ano passado, o veterano treinador espanhol Joaquín Caparrós é o comandante da seleção. Villarreal, Sevilla, Deportivo La Coruña, Athletic Bilbao e tantas outras equipes da Espanha estão no currículo do técnico de 65 anos. Esta é a primeira vez que ele assume uma seleção, e isso aconteceu em plena pandemia, com pouco tempo de trabalho e enorme dificuldade em reuniar os jogadores. A estreia aconteceu apenas em setembro, derrota para a Macedônia do Norte por 2 a 1 pela Nations League. Depois se recuperou e venceu o grupo que tinha ainda Geórgia e Estônia, pela liga C, e garantiu o acesso. Ao todo, são apenas nove jogos com Caparrós, mas excelente aproveitamento: seis vitórias, dois empates e um único revés.
Em campo o que se vê é um modelo de jogo baseado no 4-4-2, com pressão sobre a saída de bola adversária, organização na recomposição defensiva, compactação sem a bola e transição ofensiva em velocidade. As estatísticas das vitórias nas eliminatórias ajudam a entender a proposta de Caparrós. Contra os romenos, 34,1% de posse de bola e 16 finalizações a gol, sendo oito no alvo. Diante da Islândia, um pouco mais de tempo com a bola (40,5%) e mais uma vez alto número de tentativas a gol (12, seis no alvo). Somente na estreia, contra Liechtenstein, o roteiro da partida foi diferente, com domínio amplo da Armênia, que não permitiu qualquer finalização do adversário e arrematou 26 vezes para o gol, com 69,1% de posse.
Na prática, os itens citados sobre o modelo de jogo aplicado pelo técnico espanhol são básicos e fundamentais para equipes de qualidade técnica limitada, que pretendem ser competitivas em alto nível. Mesmo com os nove pontos somados, os armênios ainda terão árdua missão para buscar uma vaga no Catar em 2022. A tendência é que a Alemanha, já com novo treinador, termine na primeira posição e deixe a briga pela vaga nos playoffs para Armênia, Macedônia do Norte, Romênia e Islândia.
País com cerca de 3 milhões de habitantes, localizado na região do Cáucaso, marcado por guerras e confrontos internos. Se agora a Armênia aparece como "bola da vez" no tema globalização do futebol pelos resultados obtidos, recentemente a Islândia fortaleceu a pauta, assim como em outros momentos da história foram Bósnia, Bulgária e Romênia, para citar apenas algumas seleções europeias.
Surpresas sempre existiram no futebol e continuarão surgindo. O que aparece, cada vez mais, nesse contexto é a força ascendente de equipes de centros menos tradicionais do futebol, graças ao maior intercâmbio de seus jogadores. Não estamos falando mais apenas de boas gerações ou um grande talento perdido entre atletas medíocres. Há um fortalecimento generalizado, fruto da maior integração futebolística entre as nações. Muito longe de se tornarem potências, mas com potencial para aumentarem as surpresas.
O exemplo armênio da globalização do futebol
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