Luis Enrique e o 'treino-refeição'
Virou cena comum. Uma família, um grupo de amigos ou colegas de trabalho compartilhando uma mesa de almoço e nada mais. Os olhos no celular erguem baias virtuais entre eles. Ninguém se olha, pouco se conversa. O corpo está ali, a cabeça bem longe. Eu já me peguei dando bronca em amigos por conta disso. Eu já me vi levando bronca de amigos justamente por não largar o celular. Tento lutar contra isso. Nem tudo é urgente. Na verdade, pouca coisa é urgente.
Refeições são rituais sagrados, devem sempre transcorrer num tempo diferente, mais lento. É a hora de o corpo absorver a energia dos alimentos, é a hora de a alma se alimentar do convívio com o outro. Mesmo um almoço sozinho, pausado, corte e garfada, pode ser um diálogo consigo mesmo.
Digo isso e agora tomamos, eu e você, um avião virtual para a Espanha, onde a Roja se prepara para a estreia na Liga das Nações da UEFA contra Croácia e Inglaterra, um torneio novo, repleto de expectativas.
Recém-empossado, uma das primeiras medidas do treinador Luis Enrique foi proibir o uso de celulares durante o café da manhã, o almoço e o jantar na concentração. A medida é simbólica de que algo se perdeu no grupo que disputou a Copa da Rússia e foi eliminado precocemente: o espírito coletivo.
Normalmente, os motivos de um grupo desagregado aparecem nas grandes derrotas, durante e depois delas. A particularidade dessa Espanha foi que as dissonâncias vieram horas antes da estreia, no que foi um dos maiores papelões da história das Copas do Mundo: a demissão de Julen Lopetegui pelo seu acordo com o Real Madrid sem anuência da Federação Espanhola, e sua substituição por Fernando Hierro, sinal inequívoco que as coisas não andavam bem em um grupo já tradicionalmente “rachável” entre catalães e merengues.
Luis Enrique não é figura de trato fácil. Lembro de seu pavio curto como jogador. Mas lembro também de sua dedicação e seriedade. Como treinador, foi muito bem sucedido no Barcelona, trazendo elementos de verticalidade ao DNA culé de toque de bola. Ponto positivo para ele o fato de ter como primeira medida algo relacionado ao comportamento humano. Grupos de trabalho precisam conviver, olhar no olho, conversar, sacar o jeitão um do outro. Reconhecer afinidades, ver onde o santo não bate. E usar tudo isso de maneira madura, sempre pensando no êxito coletivo, algo particularmente difícil entre jogadores famosos e mimados.
Na porta do refeitório da concentração da Espanha, haverá daqui pra frente uma cesta onde todos devem deixar o celular antes de entrar. A comissão técnica dá o exemplo e já desce dos quartos sem seus aparelhos. Assim, Luis Enrique transforma as refeições em treinos de fundamentos – humanos, no caso.
Fonte: Maurício Barros
Luis Enrique e o 'treino-refeição'
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