Que os jornalistas não recuem e não abaixem a cabeça quando houver censura e intimidação
Passaram dos limites no futebol brasileiro! Um
técnico super elogiado no país acaba de tomar o celular de um jornalista que
estava trabalhando em uma área reservada para a imprensa. Depois, visivelmente alterado
(como de costume quando perde ou quando acha que foi prejudicado pela
arbitragem), desconta também em outro integrante da imprensa que estava registrando
a confusão no acesso aos vestiários do Mineirão após Atlético 1 x 1 Palmeiras,
acusando-o de ser o responsável pelo futebol brasileiro estar nesta fase. No
mesmo Mineirão, na coletiva de outro técnico que também já foi muito elogiado
no Brasil (o argentino Eduardo Coudet), uma questão simples e justificada sobre um determinado jogador (Igor Gomes) recebe inicialmente uma negativa (treinador dizendo que não fala de jogador,
que não responde sobre indivíduos) e logo depois uma sugestão para o jornalista
fazer curso de treinador para poder fazer uma pergunta.
Parem as máquinas, como já diria, os jornalistas da antiga, como o saudoso Roberto Avallone! E não é questão de ser estrangeiro
ou não, de ter idade avançada ou não. Vanderlei Luxemburgo, um dos maiores
treinadores da história do futebol brasileiro, voltou ao mercado (o que achei
legal) distribuindo patadas e grosserias nas coletivas no Corinthians, tentando
intimidar especialmente os jornalistas mais jovens, que ficam procurando
palavras às vezes para tirar alguma resposta básica que seja do veterano
técnico. No começo, parecia apenas uma certa mágoa dele pelas críticas que ele
vem recebendo nos últimos anos, quando não teve resultados muito expressivos e
se dedicou a outras áreas além do futebol. Mas virou rotina para o Luxa
responder com perguntas ou nem responder, falando apenas sobre o que ele quer.
Várias figuras importantes no futebol brasileiro neste momento estão se achando
no direito de ensinar os jornalistas a perguntar (são quatro anos para se
formar jornalista, Coudet, mais tempo do que o curso de treinador) ou, pior, de
censurá-los mesmo de alguma forma.
Quando Abel toma o celular de um jornalista e
tenta dar uma lição do que deve e do que não deve ser mostrado (como entregar uniforme
do clube para a arbitragem, por exemplo), ele está sim censurando. Ele sabe que
errou feio e já tratou de pedir desculpas a um dos jornalistas que atacou neste
fim de semana. O treinador palmeirense, que faz excelente trabalho na América
do Sul, tem temperamento forte e sistematicamente é advertido pelos árbitros,
mas desta vez ele foi longe demais. Precisa mesmo fazer uma reflexão sobre seu
comportamento, ainda mais se quer ter sucesso um dia na elite do futebol europeu. Um tempo atrás ele ficava irritado quando faziam uma pergunta normal sobre o Endrick. E a resposta, quando vinha, era pouco amistosa, para dizer
o mínimo. Agora, simplesmente ele levanta e vai embora quando o indagam sobre o suposto interesse do Paris Saint-Germain em seus serviços, tema que merece sim um esclarecimento, até para o torcedor palmeirense que tanto o ama (as perguntas dos jornalistas normalmente são as que os torcedores gostariam de fazer).
Cássio, o principal goleiro da história do Corinthians,
também mostrou seu lado ditador. Ele conseguiu discutir com o ótimo e pacato
Rodrigo Vessoni, do site Meu Timão, porque entende que o portal deve apenas
falar bem do clube que tanto diz nas mídias sociais ser democrático. “Estou
cansado de criarem polêmica em situação. Você [Vessoni] usa Meu Timão, é em
prol do clube, tem que ajudar. Vamos falar da vitória, se unir um pouquinho,
parar de jogar contra. Vamos tentar ajudar o Corinthians”, afirmou Cássio, que
parece não entender mesmo nada sobre jornalismo. Vessoni tem seu time preferido,
como praticamente todos os jornalistas possuem, mas em seu trabalho jornalístico
ele pode e deve sim apontar os problemas do clube, dentro e fora de campo, tem
todo o direito de fazer uma pergunta sobre o incomum gesto do ídolo corintiano
no jogo contra o Fluminense (após fazer uma defesa, ele levou as mãos aos
ouvidos, aparentemente mandando uma mensagem para os torcedores que estavam em
Itaquera). Cássio pode até não querer responder, mas cobrar que o jornalista ajude
o time e só fale coisa boa dele é demais, uma falta de noção.
Renato Gaúcho é outro nome forte do futebol
brasileiro que vez ou outra tenta intimidar jornalistas, inclusive
publicamente. Neste ano mesmo, ameaçou dar os nomes dos profissionais da
imprensa que estavam perguntando sobre uma folga do treinador no Rio de
Janeiro. Soou como uma ameaça, como se Renato fosse passar os alvos para a
torcida gremista ficar de olho. Nessa mesma coletiva, o treinador “pautou” a
imprensa dizendo que deveriam falar de quantas vitórias o Grêmio teve desde que
ele chegou. Perguntas sobre os tropeços do time o Renato não gosta muito, está
claro.
Não costumo ser corporativista, mas neste momento isso se faz necessário. Na semana passada, durante o Futebol 90, eu disse que o comportamento de Luxemburgo seria diferente se entre os entrevistadores estivessem nomes consagrados do jornalismo e que trabalharam na época do auge de Luxa. Citei os nomes dos companheiros Abel Neto, Mauro Naves e Osvaldo Pascoal, que foram grandes na reportagem (uma vez repórter, sempre repórter) e que hoje estão nos canais ESPN participando de programas em outras funções, sem nunca deixar o jornalismo de lado. Parece mais fácil nas coletivas “crescer” para cima de jornalistas mais jovens ou que não se conhece bem. Então digo para os colegas da nova geração que não recuem e que não abaixem a cabeça diante da estupidez e da intimidação que alguns estão praticando. Façam seu trabalho com ainda mais vontade, sem medo de perguntar e de registrar os fatos que estão acontecendo dentro dos clubes. Antes de o Cruzeiro cair afundado em dívidas, houve protestos de torcedores cruzeirenses contra jornalistas, achando que a imprensa estava “jogando contra” o clube mineiro. Mais tarde viram que quem estava sabotando o Cruzeiro eram seus dirigentes. A imprensa apenas tentava fazer seu trabalho e mostrar a sujeira dentro do clube.
Talvez o mundo do futebol, agora mais acostumado
com TVs dos próprios times, canais parceiros e influenciadores digitais, queira
que só passem pano para tudo. Se falarem bem, atendem. Mas, se criticarem, não falam
ou respondem de forma mal-educada. No Futebol 90 desta segunda-feira, eu citei
uma frase clássica dos jornalistas. Acho que é bom e também necessário lembrá-la
neste momento. “Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se
publique. Todo o resto é publicidade”. Eu vou acrescentar aqui outra frase (que
o companheiro e brilhante jornalista Edu Elias tão bem me lembrou) sobre a nossa
profissão. “Jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”, sentenciou
Millôr Fernandes.
Que os jornalistas não recuem e não abaixem a cabeça quando houver censura e intimidação
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