A CBF pode tapear que está sem grana, os clubes podem dizer o mesmo de seus cofres, neguinho pode discordar, jogar a culpa um para o outro, o escambau. Mas o VAR, o árbitro de vídeo, é uma realidade sem volta. Seja neste ano, no ano que vem, no outro... Em curto ou no máximo médio prazo, todas as partidas dos principais torneios de futebol profissional no Brasil terão os elementos da tecnologia auxiliando a arbitragem. Vai ficar cada vez mais barato, como tudo no mundo, exceto as cervejas IPA. Trata-se da maior transformação no esporte mais querido da humanidade desde que os inventores ingleses padronizaram as regras básicas, no final do século XIX. E vai doer pra caramba.
Até que se chegue a uma utilização razoável, baseada no mínimo de bom senso, e que todos os atores – jogadores, técnicos, árbitros, imprensa, torcida, eu e você – aceitem que a mudança vem para conferir um pouco mais justiça aos resultados, muito vai se errar, atrapalhar, confundir.
Entendo perfeitamente quem malha a adoção do árbitro de vídeo. O futebol só chegou onde está, imbatível em popularidade, porque extrapola o campo. Sua natureza fluída, a posse transitória, a bola conduzida sem as mãos, e por isso sempre à mercê de ser tomada, o campo grande, o número excessivo de jogadores, abre um leque inigualável de eventos possíveis naquele retângulo verde. A conexão com o sobrenatural, a predestinação, a trapaça esperta, os heróis e vilões, a cultura enfim, faz a humanidade estar ali exposta como em nenhum outro jogo.
No último domingo, depois do clássico entre Liverpool e Tottenham pela Premier League, Mauricio Pochettino, técnico dos Spurs, confessou ser um dos que torcem o nariz para o uso da tecnologia na arbitragem. Embora o Campeonato Inglês não tenha ainda adotado o VAR, ele aproveitou um cartão amarelo dado para seu meia Dele Alli por simulação para externar sua preocupação. "Foi claro. O árbitro estava certo. O problema é que agora estamos muito sensíveis sobre essa situação. É até demais, algumas vezes. Penso que seja um problema pequeno", disse. "Estou preocupado que vamos mudar o jogo que conhecemos, como conhecemos o futebol. É um esporte criativo, no qual você necessita de talento e perspicácia", continuou o treinador.
Perspicácia, aí, podemos tranquilamente entender como esperteza, prima da malandragem, amante da trapaça. Pochettino, um dos expoentes da nova geração de treinadores mundiais, é argentino. Para nós, sul-americanos em particular, a malandragem tem componentes charmosos irresistíveis. A caminhada de Nilton Santos para fora da área após ter feito o pênalti em 1962 e a mão de Maradona em 1986 são a quintessência da trapaça heroica, genial, “do bem”, justificada. Os europeus também têm as suas, claro, mas lidam de modo diferente com a simulação, são mais críticos e menos românticos. "Estou preocupado que o esporte que tanto amamos terá uma estrutura muito rígida com o VAR. Para o jogo, punir a pessoa... Há 30 anos, nós todos parabenizávamos os jogadores quando eles enganavam os árbitros assim! Não só na Argentina, mas na Inglaterra também", comentou. “Isto é o futebol, este é o esporte pelo qual me apaixonei quando era criança", completou Pochettino.
Eu há alguns anos até escrevi que algumas sujeiras dentro do campo eram, na verdade, alecrim, tomilho, coentro, temperos que davam ao futebol seu sabor único. Não penso mais assim. Creio que o futebol tenha elementos suficientes para seguir apaixonante se auxiliarmos sua mediação por parte dos árbitros. A exposição do jogo em multicâmeras tornou desleal a avaliação do trabalho desses pobres diabos. Aquela bola do gol do Santos contra o Palmeiras, saiu ou não? Ninguém pode ter certeza. Era impossível para o bandeirinha apontar. Mesmo com alguém colado à linha, pela velocidade da bola, pela regra dizer que a circunferência tem que sair toda, seria possível a este cravar. Fez bem o juiz de seguir o jogo. Enfim, só para citar um exemplo recente...
O VAR vem aí, e repleto de incertezas. É um buraco escuro, mas a gente precisa mergulhar nele. E eu espero, sinceramente, que o futebol que esteja do outro lado seja ainda melhor.
Fonte: Maurício Barros
O Brasileirão castigado
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