Os estrangeiros pedem passagem
Por Fernando A. Fleury, Sc.D in Sport Management & Pedro Corat
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Quem acompanha o noticiário esportivo percebe o espaço cada vez mais amplo de temas que fogem do Brasileirão, dos estaduais ou da Copa do Brasil. O futebol jogado fora daqui, sobretudo na Europa, bem como outras modalidades, como a NBA e a NFL, vêm crescendo em mídia e interesse do público brasileiro.
Esse interesse vem despertando uma série de análises que mostram que muitos dos adolescentes já começam a torcer por times estrangeiros ao invés dos tradicionais times nacionais. Duas pesquisas do IBOPE Repucom, uma de 2015 e outra de 2016, trazem informações que deveriam preocupar os departamentos de marketing dos times nacionais.
69% dos entrevistados entre 16 e 29 torcem por algum time europeu de futebol. E 21% dos internautas brasileiros leem a respeito da NFL diariamente.
Em cima disso resolvemos entender se esse desejo por esportes e times estrangeiros é real. Ou seja, será que podemos comparar a força com que nós brasileiros torcemos pelos times estrangeiros com a forma como torcemos para os times nacionais?
Esta indagação foi o objeto de estudo da pesquisa que realizamos. O foco da pesquisa não foi apenas o futebol, mas sim torcedores de times estrangeiros, independentemente da modalidade. Natural, portanto, que a amostra tivesse alcance em duas frentes: fãs de times estrangeiros e fãs das ligas norte-americanas...
Ao final, chegamos a algumas conclusões intrigantes: Entre elas a de que sim, existem brasileiros torcedores de times fora do futebol local. Torcedores no sentido real da palavra. Ou seja, existe um grupo de torcedores que demostram se identificarem com os times estrangeiros tanto ou quanto os que se identificam com os times nacionais.
Assim, existe uma geração de torcedores em formação que está sendo condicionada a preferir esportes que nunca fizeram parte do nosso dia-a-dia, por exemplo, NFL ou MLB. Se a modalidade continua sendo o futebol os times europeus também possuem espaço garantido na mente desta geração.
A partir da análise sociodemográfica dos respondentes, identificamos o perfil do tipo fã esportivo: o típico torcedor brasileiro é homem, tem entre 26 e 30 anos, possui renda familiar mensal entre R$ 3.000,00 e R$ 5.000,00, cursa ensino superior e possui TV por assinatura, mas não o pacote pay-per-view de esportes disponível na operadora.
A pesquisa não investigou os motivos que fazem um brasileiro, vivendo a milhares de quilômetros da sede do time, que talvez nunca o veja atuar de perto, se emocionar, consumir, interagir com os demais torcedores de clubes seja do futebol europeu, seja da NBA, da NFL ou da MLB. Nosso objetivo era entender se os sentimentos que os torcedores de times estrangeiros possuem ou demonstram possuir por seu times são iguais aos dos que se declaram torcedores de times brasileiros.
Porém podemos inferir uma série de razões para tal fato. Uma delas pode estar no próprio futebol brasileiro. Com a carência de conquistas recentes pela seleção e por boa parte dos clubes, o torcedor se viu carente de comemorações, procurando por êxitos em outras searas para não abandonar sua sensação de pertencimento a algum grupo esportivo. A falta de ídolos locais visto que nossos melhores atletas se encontram fora do país também pode ser uma das causas.
O centro da investigação foi verificar se o fenômeno é real do ponto de vista do amor e do envolvimento dos torcedores com os times. Entre os itens pesquisados, encontravam-se o amor ao time – conceito transposto do brand love (amor à marca, isto é, o envolvimento emocional de indivíduos com marcas), a identificação com o time (o quão envolvido, do ponto de vista psicossocial, o torcedor é com seu time), e a intenção de compra (o quão disposto o torcedor está em adquirir itens com a marca do seu time).
Para desespero dos times nacionais e dos defensores do futebol raiz uma péssima notícia. O esporte nutela vem ganhando terreno. Os resultados confirmaram não haver diferença no brand love e na identificação com o time entre os dois grupos (torcedores de times locais e de times estrangeiros). Tais conclusões permitiram atestar a existência de fãs dos estrangeiros, em igual grau de sentimento em comparação aos que preferem os nacionais.
Em outras palavras estamos perdendo torcedores!
Já em relação à intenção de compra a notícia é ainda mais grave. Os números entre os simpatizantes dos estrangeiros se mostraram significativamente maiores. Ou seja, os torcedores de times estrangeiros demostram ter uma propensão maior a gastar dinheiro com seu time de coração do que os torcedores de times nacionais. Aqui vale uma ressalva: Não consideramos ir ao jogo como demonstração de intenção de compra. Já que seria impossível comparar essa questão entre os dois públicos analisados.
Uma possível explicação para essa maior intenção de compra é a sensação de proximidade que o consumo proporciona. Como para esse torcedor é mais difícil acompanhar seu time e encontrar outros simpatizantes, o uso de roupas e acessórios com o emblema do clube o faz se sentir mais perto da comunidade em torno deste. A violência também pode ser apontada como um balizador para essa questão. Torcedores de times nacionais tendem a se sentirem menos seguros em expor seu amor por meio de camisas e outros acessórios do que torcedores de times estrangeiros.
É interessante notar que os torcedores dos times das ligas americanas são aqueles que possuem maior intenção de compra de produtos relacionados ao time. Uma evidência razoável de que as ações de marketing e ativação das principais ligas (NFL e NBA) exercem excelentes resultados no consumidor brasileiro.
Por fim, é possível afirmarmos que os times brasileiros precisam ficar atentos as mudanças comportamentais dos torcedores brasileiros. Se antes era certeza de que os pais garantiriam novos torcedores, hoje isso já não é mais certeza. O futebol brasileiro poderá, num curto período de tempo, pagar um preço muito alto pela falta de investimentos dos clubes naquele que é a fonte de receita mais importante de qualquer time: o torcedor.
E não adianta culpar os times estrangeiros, o torcedor nutela ou qualquer ou qualquer outra coisa. A culpa é exclusivamente dos times nacionais e do modelo de gestão que adotamos nos esportes nacionais.
Os times estrangeiros já perceberam que possuem um mercado a ser explorado para ampliar sua marca e, consequentemente, suas receitas. Mercado este disposto a consumir, sofrer, vibrar, comentar, mesmo do outro lado do planeta.
Fonte: Fernando A. Fleury
Os estrangeiros pedem passagem
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